Imaginou flores desabrochando e cobrindo a planície. Nascendo brancas e frias, como pequenas mudas de neve. Percebeu que o céu crescia enquanto se aproximavam, tentando engolir a vastidão daquela terra. Milha após milha foi sofrendo com a ansiedade, já que o coração não obedecia aos pedidos de se aquietar. Isso deixava a situação ainda mais dramática, pois era obrigado pela mãe a se comportar dentro do ônibus. A adrenalina ameaçava rasgar cada extremidade de seu corpo. Enquanto a guia contava suas histórias e demonstrava seu conhecimento a respeito do tão aguardado local, sua mente pegava voo nas asas de um dos inúmeros corvos que brincavam de ser corvos em seu devaneio. As árvores, totalmente nuas, dançavam seu balé estático, regidas pelas rajadas cortantes daquele vento de inverno. Se pudesse, fotografaria cada uma e se desafiaria a descobrir 7 erros entre elas. É claro que não vou achar, pensou.
E isso o distraiu por alguns minutos. Mas não foi o suficiente para conter a enxurrada de emoções que faziam suas veias formigarem. Viu ao longe algumas ovelhas e quis saber por que se parecem tanto com algodão. Rapidamente concluiu que elas nasciam nos pés de algodão! E mais! Era claro que, quando bem velhinhas, se transformariam em nuvens! Ficou sério quando pensou em importação de ovelhas velhinhas para a rua onde morava, já que havia nuvens, mas não ovelhas lá. Esforçou-se ao máximo para entender e ficou feliz com as conclusões que sua mente de seis anos foi capaz de tirar. Começou a pensar em outras questões de extrema importância quando, de súbito, ficou paralisado: Bem-vindos a Stonehenge! Foi o que disse Jess, sua guia. Me esperem ao sair do ônibus.
Ao atravessar a porta sentiu as mãos congeladas do vento tocarem seu rosto de forma nada educada. Será que somos bem-vindos? Vocês têm uma hora para desvendar os mistérios de Stonehenge! Por favor não se atrasem! Blablablablablablablablabla… Já não ouvia mais nada. Não quis saber de audioguias ou qualquer que fosse o nome daquele telefone estranho. Escorregou as mãos sorrateiramente, desvencilhando-se de sua mãe, e pôs-se a correr como se sua vida estivesse em perigo. Atravessou o pequeno túnel e subiu as escadas em tempo recorde, chegando a alcançar a imensidão daquela paisagem verde com lágrimas nos olhos por causa do frio. Sentiu que sempre pertencera àquele lugar mágico. Chegou mesmo a ver Merlin saindo do círculo de pedras em um magnífico cavalo negro e vindo e sua direção.
Aproximou-se velozmente das pedras, extasiado pela beleza do lugar. Impressionado pela imponência. Imaginou cavaleiros batalhando enquanto druidas lançavam seus feitiços contra os adversários. Ficou assustado ao olhar para trás e perceber que gigantes o caçavam, tentando agarrá-lo com suas mãos enormes. Correu o mais rápido que pôde em direção às pedras, desviando da guerra que estava sendo travada. Ouviu gritos e urros chamando seu nome, mas não quis olhar para trás – não queria ser pego. Entendeu quando Merlin fez um sinal com a cabeça e sumiu entre as pedras. Teve medo de atravessar a linha mágica que protegia o lugar sagrado, mas não havia escolha. Pensou em ter que deixar sua mãe para trás. Pensou no quanto tinha medo do recomeço das aulas e de seus coleguinhas. Pensou em seu futuro majestoso como cavaleiro. Cruzou a barreira e alcançou o círculo de pedras. Sentiu o peito arder quando encostou na pedra… Sentiu uma lágrima de saudade rolar pouco depois de ouvir sua mãe gritar seu nome.
Resoluto, assumiu uma postura nobre e acenou antes de desaparecer entre as pedras e a neblina daquela manhã de segunda.
Viajo há muito tempo percorrendo vários sistemas bem diferentes. A gravidade do planeta Química exerce forte atração sobre mim, mas o astro chamado Literatura é aquele no qual me sinto mais confortável. Nos entremeios e desencontros do caminho, músicas e histórias me ajudam a não perder o rumo.