Boa noite, meu nome é Banshee. Sua mãe morrerá amanhã.
Com dificuldade ergui-me, deixando meus braços atrás da linha do meu tronco, ao passo que minhas mãos agarravam os lençóis e minhas pernas, dobradas em v inversamente, tremiam de maneira incessante, fazendo toda a cama sacolejar. Pude sentir as gotas escorrendo frias do topo de minha cabeça, percorrendo minha nuca rumo à espinha dorsal, indo morrer já nos baixios de minhas costas. A escuridão do quarto escondia meus olhos esbugalhados, os quais, mesmo cegos, cismavam em não se fechar.
Boa noite, meu nome é Banshee.
Meus ouvidos latejavam indignados, sem saber se haviam escutado algo ou se tudo aquilo não havia passado de um sonho mal sonhado.
Sua mãe morrerá amanhã.
Como se rios de sangue fossem jorrar de dentro dos meus tímpanos, sentia o açoite das vozes ecoando em minha cabeça.
Boa noite, meu nome é Banshee. Sua mãe morrerá amanhã.
Repetidas vezes repassei mentalmente aquela sentença medonha, tentando me lembrar da voz que a pronunciara – na verdade rezando para que eu me descobrisse o dono. Mas a cada nova repetição, mais meu pavor aumentava. Não bastasse o furor das palavras, crescia retumbante um sussurro bem característico, acompanhando-me como um pavoroso backing vocal.
Boa noiteboa noite, meueu nonomeme éééhhhh BansBansheeBansheeee.
O medo que me acometia foi agigantando-se, sufocando-me, até o ponto em que exigiu que eu abrisse a boca numa tentativa malfadada de afastá-lo. Sem perceber já estava gritando; minhas mãos, em conchas, tentavam poupar meus ouvidos daquela canção bizarra e arrítmica. Meu corpo, involuntariamente, pusera-se a balançar para frente e para trás, gangorreando cada vez mais vertiginosamente. As paredes me abafavam, as roupas me abafavam e a voz bruxolesca avançava mais e mais dentro de meus neurônios atordoados.
Banshee… Banshee… Morrer…
A esta altura as lágrimas brotavam copiosamente de meus olhos horrorifechados. Dentro de pouco tempo a poça que começava a se formar inundaria o quarto. Selkies e sereias puxariam meus braços e me arrastariam para a escuridão. Seria o fim. Antes do desmaio seus olhos vermelhos ficariam bem nítidos e eu constataria que os mesmos são constituídos unicamente por sangue. Seu hálito frio congelaria meu rosto e daí até a eternidade minha expressão de desespero jamais seria esquecida. Fiz o possível para conter o choro, forçando-me a agir como um homem de bravura. Em vão. Comecei a sentir o farfalhar de mil mortalhas a me acuar. Num átimo encolhi-me, posicionando-me como um feto gigante. Minha garganta havia secado e começara a doer, tamanha era a minha insistência em gritar. E nada adiantava. A voz – que agora eram infinitas – rasgava qualquer possibilidade de paz. Percebendo que não era capaz de proteger meus ouvidos, transformei as conchas em adagas e tratei de apunhalar todo o meu corpo, na busca por uma distração. Ainda assim era possível sentir a presença maligna rondando acima de mim, abaixo de mim, dentro de mim. Minhas forças começavam a falhar quando iniciei um convulsivo esperneio. Descontroladamente induzi-me a uma pseudo-epilepsia, na busca por me libertar de todo o tormento. Desconheço por quanto tempo fui capaz de manter o ataque auto-infligido, mas me recordo do sorriso assassino que pude ver antes de apagar.
Acordei, ao que me pareceu, um segundo apenas após o desmaio, mas a luz da manhã já invadia o quarto. Tranquilo, mas com o coração ainda acelerado, lembrei-me de que minha mãe havia morrido há seis anos.
Viajo há muito tempo percorrendo vários sistemas bem diferentes. A gravidade do planeta Química exerce forte atração sobre mim, mas o astro chamado Literatura é aquele no qual me sinto mais confortável. Nos entremeios e desencontros do caminho, músicas e histórias me ajudam a não perder o rumo.