Como possuía os dois pés, levantou-se não apenas com o esquerdo. Mas, se isso satisfaz algum rito supersticioso, tê-lo colocado no chão em primeiro lugar poderia ser o que ignitou a chama do azar. Poderia sim, claro. Se fosse verdade. Porque o primeiro a pisar o chão frio da manhã de terça-feira foi o pé com o qual acelerava o seu velho Tempra. Not a big deal…
Há quem acredite que o azar é uma questão de sorte, mas não gosto de tratar assim. Soa um tanto quanto confuso. Prefiro pensar que o azar e a sorte são superestimações fantasiosas. E que me perdoem as criancinhas (e as mulheres que acreditam em príncipes encantados), mas ambos não existem. Uma sucessão de fatos aos quais prestamos um pouco mais de atenção determina a maldição? Quanta bobagem gratuita…
Acordar atrasado, chutar o pé da cama, derramar café na camisa, vestir a calça ao avesso, cortar o dedo com a faca, bater o carro ao manobrar na garagem, ficar preso em um engarrafamento, perder a reunião no trabalho, perceber que seu computador está com vírus, quebrar uma peça caríssima do equipamento com o qual se trabalha, atrasar a entrega de resultados importantes, sair atrasado e perder o ônibus… Dessa forma ajustados, tais fatos diagnosticam azar. E qual o motivo? Enfoque. Que se transforme – abracadabra – o azar em sorte!
Acordar sem a febre da noite anterior, encontrar uma nota de cinquenta perdida dentro do guarda-roupa, derramar café na camisa que estava com um enorme furo não notado, atender ao telefone fixo para receber uma boa notícia, perceber que o freio do carro parou de funcionar, encontrar um taxista bem humorado, não participar de uma reunião improdutiva e desmotivadora, descobrir e corrigir um problema sério no equipamento com o qual se trabalha, evidenciar uma falha no processo produtivo da empresa, entrar em um ônibus no qual se encontra um amigo há muito não visto…
E as apostas no cavalo de número 7 estão aumentando! A disputa de hoje será acirrada! Bateram-se palmas e estalaram-se os dedos. Voilà! Inventamos um colírio para cegos! Talvez até para surdos, já que sem ações e exemplos o que faz cócegas em um tímpano nunca discrimina o outro. É aí que se diz: o azar e a sorte são psicológicos. E como uma boa e concludente análise psicológica poderia nos desvendar: O psicológico das pessoas anda bem abalado…
Viajo há muito tempo percorrendo vários sistemas bem diferentes. A gravidade do planeta Química exerce forte atração sobre mim, mas o astro chamado Literatura é aquele no qual me sinto mais confortável. Nos entremeios e desencontros do caminho, músicas e histórias me ajudam a não perder o rumo.