Ébrio e cambaleante, fui de chofre puxado para uma quartinhola putrefata num dos becos escuros pelos quais eu tropeçava. O nauseabundo odor prostibólico-almiscarado atacou minhas narinas e infectou minhas fossetas loreais, posto eu uma serpente noviça – no rastejar e na falta de braços e pernas atuantes. Mãos de todos os tamanhos e graus de sudorese agarraram-me firme, porém cortesmente, num lépido gesto de jogar-me no núcleo do antro: seu cenho assustava-me, contudo. Não o dos que faziam sala, mas do próprio local, que tinha um quê de alma vivente. E senti-me engolido por seus dentes de madeira. Estes rangiam a cada passo hesitante que forçosa e forçadamente caminhava. Olhos inúmeros faziam-me supor um festim de lêmures cadavéricos que, zumbificados, avançariam contra meu pescoço. Nada mais que velas de charme… E o romance das mesmas acabara de murchar dentro do meu mancebo peito. E então me lembrei: não me chamo Álvares de Azevedo. Preocupações, evanesçam! Noite agourenta delirante em meu ser! Mas os fogos-fátuos dançavam púrpuras ao soar da terceira badalada. E o pêndulo estacou repentino, congelando o tempo, mas não o transcorrer dos fatos. Tanto que a valsa iniciou-se ao som de uma fantasmagórica canção vinda de harpas. E o baile de máscaras rodopiou-me numa dança de tom escarlate, já que do parapeito acima despejavam um líquido rubro. Seria sangue? Você entra lentamente porque você conhece minha regra. Você arrasta seus joelhos antes de balançar a minha tumba. Quanto mais giros e mais gargalhadas, mais demônios deixavam o inferno. Não pela salvação, mas pela galhofa. Atravessando os portões terrenos e concedendo as contrabênçãos aos mortais pecadores. Pareceu-me então que havia sete mulheres flertando com meus ossos num emaranhado de colchões gigantes e almofadas de cetim, ao que prontamente criei interesse. Pedra arremessada, saí julgado desdenhador do baile, vindo a cair nos braços do primeiro súcubo que encontrei. E lambeu-me com tamanha voracidade, que senti os pulmões estremecerem. Meus olhos voluntariamente fechados não foram capazes de ver os outros seis debruçarem-se lascivos sobre minha carcaça. Dentes arranharam cada película que havia de vestir minha carne. Aos poucos deixei de exalar virilidade. Sensação de poder ofuscada por uma réstia de dominação. E a falta de ar fez-se imperativa, em concomitância com o súbito desejo de fuga. Tarde demais. O prazer já devorava minhas necessidades. Todos eles andam juntos. Refiro-me aos súcubos. E são sete, pois hão de existir para sempre como pecados capitais. E os pecados que não entram na lista são filhos bastardos. Dos íncubos, é claro, pois nascem das mulheres humanas – quem provou a maçã não foi Eva? Assim sendo, os súcubos são incapazes de parir. Graças a Deus! – agradece Lúcifer. Não suporto nascimentos! De fato não é assim que os íncubos nascem. Porque as mulheres grávidas sofrem abortos e morrem de desgosto. Só aí que minha noção fantástica fez-me crer que eu seria o próximo soldado da horda concupiscente das profundezas. Ganharia um nome como Maloch-Gog-Damaloch, ou até mesmo Crazesnizael, dependendo do humor do coisa-ruim. E a esse nome poderiam associar-se sacrifícios de crianças e oferendas nefandas, a título de confusão com deuses há muito adormecidos. Fazia-se mais um íncubo, ávido por roubar o que lhe haviam afanado. Sedento por vingança e fadado a vingar-se contra as pessoas erradas. Mas e se não forem merecedoras de tal castigo? Impossível errar. Todos recebem o que lhes cabe. Daí brotou de minhas tripas vontade imensa de chorar. Se por erro meu acabava de me tornar o aprendiz da própria Morte, nada de bom haveria de salvar minha alma. E que a mesma se danasse! Se ao menos a animalidade deixasse-me livre dos instintivos desejos de possessão feminina… As despidas devoradoras afastaram-se saciadas depois que gritei e abri meus olhos sangrentos. Agarrei-me aos últimos suspiros de que ainda era capaz e me levantei zonzo, porém mais lúcido do que antes. Apoiei-me na parede mais próxima e não enxerguei mais do que vultos endiabrados pulando e movendo-se como lunáticos na minha frente. Ignorando a todos atravessei aquela névoa esquizofrênica, vindo atracar em uma cadeira que se encontrava no meio do que agora era uma sala de inquisição. Ancorado, não tencionei levantar até que pudesse raciocinar como uma pessoa sã. Consciente do absurdo deixei minha cabeça pender para trás como se esperasse por um auxílio dos céus. Mas aquele lugar havia sido esquecido. Não! Havia sido castigado, apenas. E o meu castigo era exatamente esse: fazer com que outros pagassem pelos erros cometidos. Uma responsabilidade que eu realmente não desejava. Cada um carrega sua cruz. Foi quando uma imensa mão desprovida de um corpo apontou para mim de forma inquiridora. E como não tinha boca fez-se entender por um soco em meu estômago, ao que me fez vomitar por 6 minutos. Longos e arrastados, diga-se de passagem. Vi o reflexo de minha face na poça daquele líquido asqueroso e percebi que tudo o que havia sobrado era apenas dor, ódio e desespero. Minhas virtudes jaziam escorrendo pelo assoalho e sujando meus pés descalços. Apertando minha cabeça com uma força titânica, a mão esmagou por fora meu cérebro e arrancou meus cabelos como se fossem ervas daninhas. Como não suportasse, enfiei meus dedos em meus olhos, tentando suplantar a dor alheia por uma que eu pudesse controlar. Só o que consegui foi sangue ocular em minhas mãos. Além, é claro, de um empalidecimento ainda maior de minha visão. Sem voz e sem força para gritar mais um fôlego sequer, desmaiei.

Ao abrir os olhos, encontrei-me em uma cama branca, dentro de um quarto totalmente branco. Culpa líquida era injetada em minhas veias.