Apenas eu existo. Todos os demais componentes do mundo são meros frutos imaginativos. As inúmeras interfaces que interagem com meu ego nada mais são do que projeções físicas dos estímulos neuronais que se passam no cérebro do único ser que de fato vive nesse universo: eu.

Cada detalhe, por mais sutil que seja, não existe senão com o aval de minha mente. Todas as coisas nascem de mim e tudo é fantástico. Entretanto, é impossível refutar o fato de que tudo é também muito real e concreto. Essa concretude se deve a um bloqueio de segurança auto-estabelecido, que me permite tocar, sentir. Embora eu o perceba, a sua existência é obscura e o que posso dizer a seu respeito é que me impede de acordar de meu próprio devaneio. Muito funcional, diga-se de passagem. Mas não desejo entrar em detalhes, pois isso seria extremamente perigoso.

Mudemos o rumo. Como sei que minhas assertivas não são suficientes para convencer sobre minha teoria e que qualquer argumento frívolo poderia facilmente afrontá-la, creio muito necessária sua exemplificação.

Após uma fugaz conversa com um amigo de longa data, despediu-se. Imaginou o que o referido conhecido estaria fazendo após se virar e partir. Pensou em segui-lo. Contudo, seria capaz de ver a direção tomada e acompanhar os passos. Cogitou a possibilidade de uma ligação. Prontamente a refutou, visto que o amigo poderia transmitir todas as sensações que experimentava e a simples presença de sua voz seria suficiente para lhe denunciar. Precisava planejar formas de observar o amigo sem que necessitasse ter contato com ele. Qualquer tipo de contato. Achou aquilo ridículo. Refletiu um pouco mais e não conseguiu desenvolver nada. Percebeu que a existência do outro só seria justificada se interagissem de alguma forma, mesmo que não fosse física. Fez crescer a ideia de que o outro não poderia ser real senão no momento em que lhe provava ser. Quase desistiu do intento no momento em que raciocinou um pouco mais: e se outros me falarem a respeito dele? E então ponderou: mas quem falaria dos outros? Descartou a possibilidade de um ciclo, visto que ele próprio seria o elo fraco. Além disso, precisaria passar a conhecer e confiar em pessoas que jamais havia visto. E se jamais havia visto, para ele ainda não existiam. E quando passassem a existir, entrariam na mesma condição do amigo.

Mas que condição é essa? Devo explicar melhor. Os desdobramentos da minha mente são o que cria tudo. Tudo, logicamente, inclui meu amigo. Como minha mente o criou, as ações dele dependem dela, mas ao nível do meu subconsciente. Quando não estou em contato com meu amigo, posso imaginar que o mesmo está a fazer qualquer coisa. Entretanto, ele não está fazendo coisa alguma, pois nesses momentos ele simplesmente deixa de figurar.

O desenvolvimento do tempo e dos fatos se dá de acordo com a cronologia psicológica estabelecida e é por isso que as coisas se degradam, as pessoas envelhecem e as estações do ano continuam sua dança alternada. É por isso que, quando vier a encontrar meu amigo em uma ocasião vindoura, o mesmo terá novidades. Tudo não passa de um jogo psíquico. Meu jogo psíquico. E eu estou dentro do meu próprio labirinto.

O curioso é que cada detalhe é preservado e, mesmo que algo se altere, não passará de uma sensação de falha da memória. Meu amigo, assim como qualquer ser – animado ou não – com o qual tenho algum tipo de vínculo, é apenas a personificação (ou projeção) de algum aspecto do meu ego.

Talvez nesse ponto seja interessante falar sobre o clima, as tragédias, as galáxias ou simplesmente os infinitos grãos de areia. Todavia, não há muito que dizer. Novamente afirmo que são manifestações do meu ego. É complexo e maravilhoso. Muito difícil dissertar a respeito. Mas atente bem você. Como garantir que o que se vê de fato existe? E como, então, queimar as mãos pelo que não se vê? É possível confiar no tato? Com os olhos vendados distinguiríamos uma rosa branca de uma amarela? Nossa audição é incapaz de confundir os sons de um trovão e um avião? Você enxerga o mesmo vermelho que eu? Podemos nos lembrar de todos os passos de um dia em que vivemos há dez anos? Só se descortina vagueza e incerteza.

Mais prudente é questionar a teia que tudo permeia. E desse questionamento é que surge a convicção da inexistência de outra possibilidade que não a qual discorro sobre: apenas eu existo e além de mim só mesmo a materialização do que habita minha mente. Assim munido de questões intrigantes, crio um invólucro que serve apenas como paliativo; uma muralha para espantar curiosos. E aqueles que não se deixam intimidar? Bem, a esses eu asseguro minha companhia. Não sem dizer que de nada lhes adiantará estudar a respeito, uma vez que seu entendimento dependerá única e exclusivamente de minha vontade. Mas quem sabe vocês se mostrem agradáveis?