“Todo mundo acha que eu sou especial – disse finalmente – Todas aquelas pessoas n’O Caldeirão Furado, o professor Quirrell, o Sr. Olivaras… mas eu não conheço nadinha de mágica. Como podem esperar grandes feitos de mim?”
Crescer não é um processo simples. É deixar de ser a criança que brincava sem preocupações para se tornar um adulto responsável por cada um de seus atos. É, quando já adulto, rever se tudo foi feito nos conformes e seguir em frente. É chegar na velhice, olhar para trás e rever como ajudar as gerações futuras. Crescer muda tudo. Em um livro que cobriu um período de sete na vida dos personagens, esse tinha que ser o tema central da história.
Vou além. Não é simplesmente o tema central da história, mas sim de todo o contexto que cerca a obra. Foi um crescimento dos personagens, da trama e da autora.
“São as nossas escolhas, Harry, que revelam o que realmente somos, muito mais do que as nossas qualidades”
Dumbledore
Tudo começou em A Pedra Filosofal, com um bando de moleques de 11 anos partindo para o primeiro ano na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. É um livro típico de calouro, tanto para Harry quanto para Rowling. Os novos bruxinhos vivem a ansiedade de estar em um lugar novo, aprendendo coisas que jamais julgaram aprender. Rowling também dava os primeiros passos como escritora e a narrativa vacila, com quebras de ritmo e um estilo ainda sem uma cara definida. Harry, Rony e Hermione precisaram confrontar Voldemort pela primeira vez com apenas 11 anos e aprenderam com as experiências. Rowling criou um universo inteiro para se apoiar no futuro. Podia ter dado errado se eles não tivessem feito certo.
Em A Câmara Secreta começamos a vislumbrar o futuro. A trama é mais sombria, mas é um sombrio infantil, que não traz tantos questionamentos. A missão do livro é descobrir quem abriu a câmara secreta. Só isso. No caminho, o mérito da história (e aí, palmas para Rowling) é desenvolver os personagens e a forma como eles se relacionam. O maior dilema vem do Harry, que se vê comparado a Voldemort e percebe que, no fim, eles não são tão diferentes. Isso causa um nó na cabeça de um menino de apenas 12 anos.
Quando chega O Prisioneiro de Azkaban, tudo evolui. A trama, que ainda estava infantil, atinge uma maior grau de complexidade com a chegada de Sirius e Pedro. A figura dos dementadores é essencial para o clima pesado, melancólico e triste. Ninguém consegue um final feliz. Quem cresce nesse ano é Hermione e seu vira-tempo, aprendendo sobre atitudes e limites, coisas que Harry e Rony só aprenderiam depois. E parabéns para Rowling, que consolidou a figura de um vilão sem ele ao menos aparecer na história.
“Sofrer assim prova que você continua a ser homem! Esta dor faz parte da sua humanidade.”
Dumbledore
O Cálice de Fogo é o livro mais “adulto” da primeira metade da história (sempre divido em duas partes: do 1 ao 4 e do 5 ao 7). Rowling agrega a complexidade de um Torneio Tribruxo e de um trio de adolescentes de 14 anos descobrindo os sentimentos. Hermione começa o livro na luta pelos direitos dos elfos e termina como a mais serena do grupo, principalmente após seu primeiro relacionamento. Rony mostra a imaturidade e ciúmes em graus elevados. Incapaz de lutar por Harry, que sempre o ofusca, e de olhar para Hermione, que não o ama e está com outro. No meio disso, uma trama política e familiar intrincada, recheda pela cena do cemitério. Pra mim, duas cenas ganham esse livro: o primeiro capítulo, em que é pincelada a história de Voldemort; e o confronto do Harry com Voldemort. É nessa cena que finalmente o menino percebe seu destino e contra o que precisa lutar. E Voldemort ainda está apenas recuperando o seu corpo e seu antigo poder.
Porque quando chega a Ordem da Fênix, o mundo mágico e feliz é deixado de lado. É um livro político do início ao fim. Hogwarts sob ordens do Ministério da Magia, que não acredita no retorno de Voldemort. O Profeta Diário sob o controle do Ministério. Harry em um caldeirão de hormônios explodindo em qualquer um que encoste nele, típico de quem tem 15 anos. Tudo isso pontuado pelas visões constantes que ele tem de Voldermort e das frustradas tentativas de parar com isso. Rony está com a autoestima no chão pelas partidas de quadribol e Hermione pilhada com os N.O.M.s. Além do clima político tenso, entre os personagens também não está nada bem. É onde a escrita de Rowling se mostra segura e madura, acompanhando o crescimento da trama e dos personagens.
Então chegamos perto do ápice em O Enigma do Príncipe e amizade é a palavra-chave deste livro. Se alguém tinha dúvidas de que Harry, Rony e Hermione resistiriam a qualquer coisa, aqui eles mostram que sim, a amizade sobreviverá. O final é o mais bonito de todos os livros, com os três reunidos após o funeral do Dumbledore e decidindo sobre o futuro e como o enfrentarão juntos, mesmo sabendo dos riscos. E Rowling mostra toda a maturidade na escrita ao fazer com que os seis livros tenham um sentido quando vistos como unidade. As horcrux são bem construídas desde o primeiro livro e estiveram dançando a conga na nossa cara o tempo inteiro. A gente que não sabia ainda.
“Era a diferença entre ser arrastado para a arena para enfrentar uma luta mortal e entrar na arena da cabeça erguida. Algumas pessoas diriam, talvez, que a escolha era mínima, mas ali que residia toda a diferença do mundo”
Harry Potter
Quando vem As Relíquias da Morte, os personagens estavam adultos o suficiente para encarar o clima de guerra iminente. O que Hermione e Rony fizeram para acompanhar o Harry exigiu uma grande fibra moral, prova do quanto cresceram nos livros. A estabilidade emocional da Hermione é fundamental para que a jornada funcione. A coragem do Harry também. E a persistência e a audácia do Rony são as cerejas que faltavam. O final da batalha contra Voldemort impressionante por mostrar um Harry maduro o suficiente para entender seu papel naquela guerra e se entregar para a morte.
Quando olhamos por esse ângulo, o epílogo (que foi muito criticado, por mim mesmo, a propósito), faz sentido. Foram sete anos acompanhando o crescimento dos personagens e da insegurança no mundo bruxo. Passar dezenove anos em uma vida normal é surpreendente. Ver o trio no final, juntos e com os filhos passando pelos mesmos sentimentos do primeiro livro, é um presente para os fãs. É exatamente por isso que Harry Potter é um livro sobre crescimento.
“A cicatriz não incomodara Harry nos últimos dezenove anos. Tudo estava bem”
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.