Esqueça as rugas, as dores no corpo e os cabelos brancos. Dentre os vários sinais recebidos ao longo da vida, aquele que primeiro evidencia a velhice é alguém te chamar de “tio”. Ouvir isso é prova de que você já não pertence mais àquela geração, que os jovens não te reconhecem como um igual. Quando o “tio” é usado, na mesma hora surge um abismo e você passa a ser apenas “a pessoa mais velha”. Pode até não parecer, mas o tempo passa bem mais rápido do que você imagina. É um fato. Basta pensar que as crianças que nasceram no ano 2000 podem estar beijando na boca. Não é assustador?
Esse choque de realidades aconteceu comigo em janeiro. Para quem não sabe, atualmente ganho a vida (entenda-se: dinheiro) como recreador. Faço parte de uma empresa que anima festas, acampamentos, excursões e eventos. Janeiro e julho são meses especiais porque ocorrem as colônias de férias. Ou seja, trabalho quadruplicado para os monitores. Foram quatro semanas inteiras de recreação neste ano, para vocês terem ideia. Geralmente fico com crianças de sete a doze anos e, eventualmente, com as mais novas. Nenhuma havia nascido antes do ano 2000.
Para os colonos (nome dado a quem participa da colônia), a posição de um recreador é bem parecida com a de um professor de educação física. Ficamos o dia inteiro com eles, realizamos brincadeiras, chamamos a atenção quando necessário, almoçamos juntos. Enfim, é uma convivência intensa por pelo menos uma semana. Então é normal quando eles nos chamam de “professor” ou mesmo “tio”. Tento mentalizar o azul e abstrair que eles não estão me chamando de velho, que estão apenas me tratando como um professor. É difícil, mas consigo. Pelo bem da minha sanidade mental.
Porque quando se chega aos vinte e poucos anos, o peso de ser um adulto aparece. A formatura na faculdade está próxima, as pessoas não te tratam mais como adolescente, você é responsável por cada ato e a pseudo-independência financeira é algo que se almeja a todo custo. Há pouco tempo era você que chamava as pessoas de “tio”. Agora você que é chamado de “tio” e não pode reclamar, porque é uma realidade. Você cresceu e precisa encarar isso. Talvez pela primeira vez na vida.
E trabalhar com crianças e pré-adolescentes é um trabalho constante de ver o quanto você está velho e acabado. Para começar, você vai se cansar primeiro do que eles. Às vezes vai ser necessário fazer uma brincadeira em que você coloque todos para correr e que sua função seja apenas ficar parado na sombra, dando instruções. Você também vai se assustar quando eles falarem de namorados/namoradas/paqueras. Eles não são novos demais para isso? Então você vai se lembrar dos seus onze ou doze anos e perceber que também falava sobre isso.
Também vai ser chamado de “tio”. Várias vezes, aliás. Vai se cansar muito, trabalhar muito e, por que não, se divertir muito. Vai terminar a semana não querendo ver a cara de crianças na sua frente, mas torcendo para chegar logo a segunda-feira. Sua voz vai sumir por um tempo, vai parecer que você foi pra praia (caso esqueça de passar protetor solar, coisa que sempre esqueço). Não entro mais em piscina por prazer. Não costumo frequentar clubes se não for a trabalho. Não vejo esses lugares como espaço de lazer. Afinal, porque para alguém se divertir é necessário alguém trabalhar.
No final de cada semana, tudo que eu queria era chegar em casa e descansar um pouco. Tomar um banho quente, colocar o pé para cima e assistir a um filme. Sem preocupações, sem ninguém gritando na minha cabeça. Mas quando abria a porta de casa e ouvia o “tio Bubu chegou!” ou “Nunca vou largar meu tio Buninho”, tudo que tinha planejado ia pro espaço. E esse é o único “tio” que não vou me importar de ouvir nunca.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.