– Uai, a Olga não vinha?
– Vinha. Ela mandou pedir desculpas, mas preferiu ficar em casa. Falou pra gente se divertir por ela, colocar o papo em dia direito.
– Mas rolou alguma coisa? Tá tudo bem?
– Tá sim, cara. Ela só tava precisando de um tempo sozinha, curtir a paz de casa um pouquinho.
– Menos mal, então. E aquele problema lá que cê me contou, conseguiram resolver?
– Era briguinha boba. Eu tava meio nervoso quando conversei com você, mas não foi nada de mais. Coisa de relacionamento mesmo, só sentamos e conversamos. Tá tudo acertado já.
– Isso merece um brinde! O que você quer tomar?
– O dia hoje tá pedindo uma cervejinha bem estúpida. Pode escolher a que você quiser aí que te acompanho.
– Beleza. Se o garçom olhar pra cá, chama ele. E no mais, como estão as coisas no escritório?
– Tudo na mesma. Chegaram umas ações novas, mas nada muito complexo. Tenho que preparar uns requerimentos pra essa semana daquele cliente grande que te falei, mas vou deixar…
“Ô, meu consagrado, desce uma Original e dois copos? A mais gelada que você tiver.”
– A Original aqui tá com preço bom?
– Tá com um preço honesto. Mas tem tanto tempo que a gente não encontra, não vai ficar mendigando preço de cerveja.
– Longe de mim, cara, era só pra conferir mesmo.
– Mas você tava falando do escritório…
– É mesmo, as coisas estão indo bem. A receita tá bacana, dando pra manter tudo funcionando e tirar um troco no final do mês. É até estranho pensar nisso, mas a vida tá realmente boa.
– Um trabalho que você curte, uma cervejinha pra encerrar o expediente e a Olga te esperando em casa. Não vejo como podia estar melhor.
– Não tenho do que reclamar. Acho que nunca estive tão bem. Cê me conhece há quase 20 anos, já me viu assim alguma vez?
– Nunca antes nessa nossa vida inteira juntos. Cê tá todo apaixonado, nem parece o garanhão filho da puta que conheci na escola.
“Brigadão, chefe. Pode continuar abastecendo a mesa aqui quando acabar.”
– Vamos brindar porque beber sem brindar, já sabe…
– Às mudanças.
– Às mudanças. A esse putão que enfim foi domado.
– Não sei se domado é a palavra certa, cara. Tava conversando isso com a Olga esses dias, inclusive. Nunca gostei de ninguém igual gosto dela. Foi uma coisa natural. Pra nós dois, inclusive. Ela também mudou muito nesse último ano.
– Se fosse em outra época, cê estaria nervoso por ela ter preferido ficar em casa em vez de sair com você.
– Nó, eu teria ficado puto. Cê sabe disso! quantas vezes já te mandei mensagem possesso por isso?
– Nem me fala. Minha vontade era te mandar pra puta que pariu em todas as vezes.
– Pois é, mas virei um cara sensato. Acho que faz parte do relacionamento, sabe? Com ela eu me sinto bem. Sei que ela tá em casa porque precisa de um tempo pra ela mesma. E tudo bem com isso. É tipo soltar papagaio.
– Uai, como assim?
– É, lembra quando a gente ficava lá na laje de casa? Tinha horas que precisava deixar a linha ir embora pro papagaio voar livre. Em outras, tinha que dar um puxão e trazer ele pra mais perto. É a mesma coisa com o relacionamento. Eu e a Olga aprendemos a respeitar o espaço de cada um. Mas também entendemos a importância do tempo que passamos juntos e quando um precisa do outro. Se ela não tá a fim de um programa, paciência. Se eu não estou, paciência também.
– Isso exige um autocontrole enorme, não?
– O tempo inteiro. Mas quer saber de uma coisa? A Olga faz tudo isso ser mais fácil.
– Cê tá muito apaixonado, cara.
– Demais, cê não tem ideia. A melhor coisa que me aconteceu ultimamente foi ela.
– Fico feliz demais por vocês dois, cê sabe disso.
– Sei, cara. Mas não fica assim não porque eu continuo te amando também!
– Ai de você se não me amasse também, seu puto.
– Deixa de ser imbecil! Mas me conta sobre você. Até agora só eu falei, não perguntei nada da sua vida. E o projeto lá da barragem, deu certo?
– Cara, cê não imagina a treta que deu…
“Pode trazer mais uma, companheiro. Vamos ficar aqui mais um tempo ainda.”
Para ler ouvindo: Cícero – Tempo de pipa
Esta crônica faz parte do Music Experience
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Demorou, mas finalmente o desafio foi cumprido. Custei pra encontrar o tom certo porque a música que você escolheu não me despertou nada em especial. Não consegui achar o gancho para usar, então a crônica ficou presa. Mas quando li sobre essa tal ‘teoria da pipa’, decidi aplicar a ideia. E acho que funcionou.
Agora preciso escolher seu desafio, Caeté. Sei que os últimos meses não foram nada fáceis, então quero trazer algo mais leve pra você. Quero ver o que você fará com a canção ‘When a man loves a woman’ – deixo inclusive você escolher qual versão mais te apetece. Se divirta!
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.