Existem três grupos de Gallus gallus domesticus aqui no galinheiro. O primeiro deles é composto apenas por mim: o desejado, o amado, o lindo e o todo poderoso frango garanhão reprodutor da granja. O segundo é o das galinhas, que subdivide-se, principalmente, nas gostosas disponíveis, nas gostosas chocando ovos, nas fofoqueiras e na gorda com celulite. Já o terceiro grupo é o que se encontra o galo velho caquético.
Ninguém sabe ao certo como ele chegou ao cargo de ancião do galinheiro, mas acredita-se que tenha sido democraticamente. Alguém, provavelmente na época dos dinossauros, deve ter olhado pra ele e pensado que ali havia um bom grupo de genes. Coitados, erraram feio na escolha. Aposto que não deviam saber nada de ciência e nem de manejo de animais.
O que ninguém esperava é que esse galo fosse viver tanto. Pelas minhas contas, ele deve estar com uns 30.273 anos, tendo acompanhado a ascensão e o declínio de todas as civilizações do mundo. Suspeito, inclusive, que tenha sido ele a vir junto com Cabral nas caravelas que chegaram ao Brasil, em 1500. Calma… agora entendo porque os índios se assustaram tanto.
Enfim, já deu pra perceber o quanto esse galo caquético é antigo. Uma múmia do Egito é mais conservada que ele. Mas o granjeiro insiste em mantê-lo aqui, sob a alegação de que eu preciso aprender alguma coisa com os mais velhos. Vai se fuder. Não tenho que aprender porra nenhuma. A mente dele já tá ultrapassada em mais de um século. Ele não tem nem ideia do que é necessário para ser um frango hoje em dia.
Se dependesse do velho, eu só poderia beijar uma galinha depois do nono encontro e no poleiro de casa. Sexo, então, só depois do casamento e apenas pra fins reprodutivos. As galinhas usariam saias até as patas e mostrar a espora já seria atentado violento ao pudor. E o que falar das galinhas lésbicas aqui do galinheiro?
Calma, eu me distraí. Onde estava mesmo? Ah sim, nos protestos. Pensei em fazer um online, no qual todo mundo levantaria plaquinhas dizendo: “Eu sou fulano e o galo velho caquético não me representa”. Então lembrei que sou o único frango do galinheiro e que ia fazer papel de palhaço, protestando sozinho. As galinhas estão pouco se fudendo pro velho caquético. Nem pagar de politizado eu poderia, então pra que me preocupar com isso?
Só me resta esperar que ele morra. Espero que seja rápido.
Começou a escrever em 2008 para fugir de uma rotina massante no galinheiro e descobriu que era bom naquilo. Ou pelo menos achava que era, já que nunca conseguiu dar nenhum beijo na boca por seus textos. Dizem por aí que continua virgem, mas ele nega.