Acordou nu, com os braços e pernas amarrados nas pontas da fria mesa de metal. Seu corpo formava um X como nas antigas técnicas de tortura. Mas ao contrário do que aprendeu durante o treinamento, não havia roldanas para esticar seus membros. Estavam presos por algemas e mais nada. Apenas a mesa, uma porta e um maquinário apontado em direção à sua cabeça.
Em busca do erro que o levou àquela situação, tentou reconstruir seus últimos passos. A mensagem do serviço secreto com o convite para aquela balada techno. A falta de dados sobre o criminoso, responsável pelo maior desvio de dinheiro do país. O smoking cedido pelo departamento, com o que de mais moderno havia na defesa pessoal. A chegada ao evento e o primeiro copo de whisky. Os lasers por todos os lados, que dificultavam a identificação dos suspeitos. A aproximação daquela morena maravilhosa com um Vesper Martini em mãos. A conversa agradável e a promessa de um encontro a sós mais tarde. A sensação de que estava sendo observado por alguém. O segundo copo de whisky. A movimentação suspeita na área VIP. A travessia pela pista de dança até chegar ao espaço reservado. A discussão com o segurança. O sujeito que sumia na multidão. O apagão.
Para ter perdido a consciência dessa maneira, alguém deve tê-lo dopado com algo muito poderoso. Provavelmente no whisky, mas não tinha certeza. Alguém pode ter feito algo enquanto ele atravessava a pista em busca do suspeito, por exemplo. Não estava lidando com um criminoso comum, era uma das mentes mais brilhantes do país. Ninguém desvia tanto dinheiro e passa incólume. Essa pessoa foi a única que conseguiu. Centenas de milhões. Precisava deixar a cabeça aberta para todo tipo de explicação.
Enquanto tentava descobrir a chave do mistério, a porta da sala se abriu. Um homem negro e alto entrou, apertou ainda mais as algemas que o prendiam, deu uma olhada rápida para ver se havia ferimentos mais graves e saiu. Na sequência, ela entrou.
Usava o mesmo vestido amarelo da balada, a bela morena deu um sorriso ao ver o detetive nu sobre a mesa. Chegou perto e se inclinou em direção a ele:
“Não disse que a gente se encontraria mais tarde?”
“Só não imaginei que fosse nessa situação.”
“Não vejo uma forma melhor de enfim nos conhecermos. Muito prazer, sou aquela que você vem perseguindo há meses.”
A revelação fez com que todas as peças se unissem na cabeça do detetive. Começou a se culpar por não ter enxergado a verdade antes. Era ela que estava por trás de tudo e sempre esteve. Não estava na lista de suspeitos oficiais, era apenas mais uma pessoa que enxergavam como vítima do caso. Por isso não conseguiram identificar nada. E o tempo todo era ela. A mente mais brilhante do país, sem dúvidas.
“Então era você…”
“Desde o primeiro roubo à joalheria, há uns 10 anos. Tudo foi planejado por mim. Mas chega de conversa fiada, não estamos em um filme do James Bond para eu precisar te dar explicações sobre minha vida.”
“Mas, se estou me lembrando bem, esse brinquedinho apontado para minha cabeça veio direto de Goldfinger.”
“Veio, mas a ideia aqui é diferente.”
“Então quer dizer que você não vai me matar com um laser?”
“Se eu puder, gostaria de evitar. Mas dependo da sua cooperação. O quanto você está disposto a me passar algumas informações confidenciais do seu departamento?”
“Nunca! Nem arrancando minha mão você conseguirá.”
“Tem certeza? Por favor, liguem o laser.”
Ela foi para trás do maquinário, apontou para o local onde a algema prendia e apertou o botão de ligar. Na mesma hora, o cheiro de carne humana invadiu o ambiente e uma mão foi parar no chão, em meio aos gritos de dor do detetive.
“FILHA DA PUTA, MINHA MÃO!”
“Isso foi só o início. Se você não colaborar, outras partes também terão o mesmo destino. Posso cortar mais um membro fora só para me divertir, não me desafie.”
“DESGRAÇADA, AGORA QUE NÃO TERÁ MAIS INFORMAÇÃO NENHUMA!”
“Se é assim que você quer agir, vamos ver o que você fará.”
Ela posicionou o disparador de laser na ponta da mesa. Deu um comando para que continuasse a avançar no modo automático e se aproximou do detetive.
“Já que você gosta tanto do 007, terá um destino igual ao dele.”
“Não adianta me matar. Se eu sumir, outro vai assumir meu lugar. E te matará. O serviço secreto está acompanhando tudo isso e virá atrás de você.”
“Não adianta mentir. Isso funcionou com o Bond, mas não vai funcionar com você. Sei que não tem ninguém ouvindo. Você acha que tiramos seu smoking para que, só pelo prazer de ver seu pau ser torrado por um laser?”
O suor escorria pela testa do detetive. Sentia o calor se aproximando de suas partes íntimas. Os pelos da perna começavam a ser queimados pela proximidade do laser. Precisava fazer uma última tentativa antes de morrer.
“O departamento inteiro sabe dos seus planos futuros.”
“É mesmo? Que planos são esses?”
“Vou dizer só três palavras: Operação Grand Slam.”
Uma risada ecoou pela sala.
“Você é o detetive mais burro que já tive o desprazer de encontrar. Nem o nome se deu ao trabalho de mudar.”
Virou as costas e deixou-o deitado, aos gritos. Quando o laser começou a cortar ao meio o saco do detetive, os urros de dor invadiram a sala. A música techno era o disfarce perfeito para os planos de tortura. Em meio aos lasers que enchiam aquelas mentes vazias, ninguém ouvia nada. E o último pensamento do detetive foi o quanto ele odiava essa maldita música.
Para ler ouvindo: Techno Fan, da banda The Wombats
Esta crônica faz parte do Music Experience
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Atrasei uma semana? Atrasei. Mas aqui está a crônica com o desafio que você me propôs, Rafael. Tentei fazer uma história bem fora da caixa porque você ousou dizer “Já imaginei o que você vai escrever”. Duvido que você tenha imaginado isso aí em cima! Claro que faz mais sentido se você já tiver assistido Golfinger, mas espero que tenha conseguido deixar claro o contexto da cena.
Para sua próxima crônica, vou inaugurar as músicas nacionais. E vou começar logo com uma pedreira, que a letra não faz sentido nenhum. Quero ver o que você faz com Açaí, do Djavan. Boa diversão!
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.