Olha, preciso confessar que a coisa aqui no galinheiro não tá fácil pra ninguém. Há cerca de uma semana, o granjeiro começou a investigar o porquê da falta de pintinhos no último ano. Ele conversou com algumas galinhas, sondou o galo velho caquético, fuxicou um pouco no lixo e descobriu que o motivo da “Grande Depressão dos Pintinhos”, como já está sendo tratada pela imprensa desde que superou a “Baixa de 1910”, sou eu.
Como era uma investigação super secreta, as galinhas fofoqueiras logo trataram de me contar tudo nos mínimos detalhes. Nem preciso falar que fiquei apavorado. Como desgraça pouca é bobagem, ontem o granjeiro decidiu conversar em particular comigo. Aliás, conversar nem é a palavra certa. O que o granjeiro fez foi um interrogatório completo, tipo de filme policial. Só faltou me amarrar em um banquinho, colocar uma luz na minha cara e apontar uma arma. Ele quis saber o que faço durante o horário de serviço, quais técnicas uso pra conquistar as galinhas, quantas vezes transei na última semana, se os poucos pintinhos que estavam nascendo eram mesmo obras minhas. Só perguntas confortáveis de responder, sabe.
Eu, lógico, fiz o que faço de melhor: Menti e joguei a culpa nas galinhas. Disse que estava me esforçando ao máximo, que as galinhas faziam jogo duro comigo, que elas me esnobavam, que estavam mais interessadas naqueles gaviões da boy band do momento do que em mim, que estavam pouco se fudendo pra ter pintinhos, que queriam ter controle sobre o próprio corpo e só queriam transar com camisinha. Isso quando, com ênfase no “quando”, queriam transar, uma coisa que estava se tornando cada vez mais rara.
Tudo bem, admito que nem tudo que disse era verdade, mas as mentiras foram só pra tentar livrar minha cabeça da degola, juro. A cada dia que passa, sinto que a panela é uma realidade. E não tô a fim de canja tão cedo. Se o granjeiro permitiu que o velho caquético vivesse tantos anos, por que ele se livraria logo de mim, um frango bonito e simpático?
Sou muito novo pra morrer. Ainda nem tive chance de realizar todos os meus sonhos! Nunca pulei de paraquedas, nunca viajei pra fora do galinheiro, nunca capturei um pokémon, nunca beijei a galinha gostosa do poleiro de cima, nunca dancei meu último tango em Paris, nunca andei num carro de Fórmula 1, não provoquei a extinção do milho. E, o pior de tudo, nem sexo ando fazendo.
Essa é a pior parte dessa Grande Depressão. No fim, quem se fode de grandão sou eu. Não ter pintinhos é sinal de que não estou fazendo sexo. É uma relação diretamente proporcional. Quanto mais sexo, mais pintinhos. E vice versa. Além disso, depois desse tempo todo tendo que me resolver sozinho nem devo saber mais como se faz. Não tô brincando. Transar não é como andar de bicicleta. Se você não pratica, perde a prática, o gingado necessário pra deixar elas loucas. Tá foda viver com essas galinhas que só sabem me ignorar e me deixar na seca. Pensei até em entrar pro grupo religioso que “decidiu esperar”, mas nem eles quiseram me aceitar. Pra você ver como realmente não tá fácil pra ninguém.
Apesar disso, acho que consegui convencer o granjeiro com meus argumentos. Ele saiu do interrogatório com uma cara preocupada e murmurando sozinho, então acho que venci. Hoje tem cartazes de uma “Convocação para a Assembleia Geral Das Galinhas” pregados em todo lugar, então parece que ele está disposto a resolver essa situação o mais rápido possível. Nos cartazes também fala que eu não posso entrar, então só me resta esperar a decisão do granjeiro e torcer pra que as galinhas venham todas frequentar o meu poleiro, finalmente!
Começou a escrever em 2008 para fugir de uma rotina massante no galinheiro e descobriu que era bom naquilo. Ou pelo menos achava que era, já que nunca conseguiu dar nenhum beijo na boca por seus textos. Dizem por aí que continua virgem, mas ele nega.