Um mês e dois dias. É exatamente isso o que falta pra esse inferno de eleição terminar. Meu ódio por causa dela tá tão grande que mandei fazer um daqueles alvos pra dardos com a cara das candidatas e colei na porta do poleiro. Cada área do rosto que eu acertar vale uma pontuação diferente. 25 pontos para a crista, 50 pontos pro bico, 75 para a testa, 100 pro olho. O pescoço vale 500 porque mata mais rápido.
Pensa comigo, qual o o motivo de uma eleição nessa porra de galinheiro? Aqui a gente vive em uma ditadura e não podemos escolher quem vai ser o granjeiro. Se fosse preu votar, nunca daria meu voto pro preguiçoso que toma conta desse lugar. De vez em quando ele aparece, dá comida, recolhe os ovos e vai embora sem dar explicações. Por mim rolava um impeachment, mas as galinhas parecem gostar dele, então não sei bem o que posso fazer.
Enfim, não precisa de ninguém tomar as decisões aqui no galinheiro porque o granjeiro faz isso por nós. Ele que é responsável pelas obras de infraestrutura, pela alimentação, tv a cabo, wi-fi e pela taxa de mortalidade. Nossa vida é a mais simples possível, sem preocupações. O problema é que as galinhas daqui parecem não entender isso e criaram um esquema político complexo que não serve absolutamente pra nada.
De acordo com elas, o galinheiro precisa de uma prefeitura pra decidir “assuntos importantes”. Na prática, as eleitas ficam lá fofocando o dia inteiro e não fazem nada. Também queria ganhar um salário pra ficar de patas pro ar enquanto falo mal dos outros, seria o melhor emprego do mundo. Minha ocupação de frango garanhão reprodutor da granja é muito mais complicada que isso e ganho bem menos. Às vezes queria ter nascido galinha só pra ter esses privilégios.
Calma, me perdi. Onde eu tava mesmo? Ah sim, nas candidatas. É uma pior que a outra. A prefeita atual tá tentando a reeleição e, pra isso, fica destacando tudo de bom que ela fez no último mandato. Caralho, todo mundo sabe que ela vai deixar o galinheiro pior do que pegou e vem me falar que fez alguma coisa boa nos últimos anos? Ah, vá se fuder, enxerga seus erros primeiro antes de vir falar qualquer coisa.
E superando minhas expectativas, esse ano ela tem bastante concorrência. A candidata que tá mais perto dela nas pesquisas (sim, além da maldita eleição, as galinhas fazem pesquisa de intenção de voto. Vai entender…) diz que o galinheiro vai vivenciar uma nova política com ela no poder. Se minha memória não me falha, ela era uma das que ficavam na prefeitura batendo papo, sem fazer nada. E se minha memória continua boa, ela já fez aliança com galinhas com visões diferentes da dela por pura conveniência. Nova política, ela diz. Só me resta rir.
Tem até outras candidatas, mas elas nem são dignas de nota de tão absurdas que são. Tem uma que diz que administrou sozinha uma parte do galinheiro, que fez e que aconteceu. Diz que essa parte do galinheiro é a melhor dele inteiro. Vivo nessa parte e sei que não tá fácil pra ninguém por aqui. Ela era a principal adversária da prefeita atual, mas se embolou sozinha, coitada. Outra candidata é sensata e engraçada, mas é de um corrente de pensamento discriminada e ninguém presta muita atenção nela. Sabe que não tem chances e continua lá. E tem a galinha gorda.
Sério, a galinha gorda com celulite decidiu concorrer à prefeitura do galinheiro. Pra minha surpresa, ela tem uma base boa de votos. O “programa de governo” dela é coerente, o que me surpreende muito. O problema dela é outro. Vocês não têm ideia do quão assustador é andar pelas ruas e topar com uma foto enorme dela pedindo voto. Se ela já é grande normalmente, imagina num outdoor? Isso sem falar nos cavaletes que ela colocou por aí, que me assustam toda vez que viro uma esquina.
Por falar em cavalete, as ruas aqui do galinheiro parecem aquelas provas de corrida com obstáculo. A cada 100 metros são quatro ou mais cavaletes pra gente se desviar. Tem uns que são tão altos que consigo passar por baixo deles. Não tem um lugar que eu olhe que não tem esses malditos. Proibiram os santinhos, mas essa praga continua. Minha diversão atual, aliás, é chutar o bico da candidata. Miro e dou o bicudo mais forte do mundo, sem dó.
Só faço isso porque a publicidade das candidatas atingiu níveis de invasão nunca antes vistos. É cavalete, outdoor, bandeiraço, adesivo nos carros. Tá sem controle. O pior é que parece que elas finalmente descobriram as redes sociais e estão insuportáveis por lá. Pra vocês terem uma ideia, já bloqueei a mesma candidata umas sete vezes e ela insiste em me mandar spam de outras contas. Isso quando não são os aliados dela que me enchem de propaganda, me marcam em fotos, me chamam para eventos que não iria nem sob tortura. Esse galinheiro tá um inferno.
Um mês e dois dias. Só vai demorar essa pequena eternidade pra tudo acabar acabar. E tomara que não tenha segundo turno. Não vou aguentar prolongar essa desgraça por tanto tempo.
Começou a escrever em 2008 para fugir de uma rotina massante no galinheiro e descobriu que era bom naquilo. Ou pelo menos achava que era, já que nunca conseguiu dar nenhum beijo na boca por seus textos. Dizem por aí que continua virgem, mas ele nega.