Dizem que as guerras são contadas sob o ponto de vista do vencedor. É impossível saber o que realmente aconteceu com o lado perdedor, já que ele passa a não ter voz no processo de construção da História. Por vezes, a realidade acaba sendo tão distorcida que a verdade se perde no caminho. É por isso que estou aqui hoje.
Foram necessários quatro anos de negociação com o granjeiro para que ele me cedesse esse espaço. Nesse tempo, ouvi o Frango me chamar de gorda com celulite, filhote de orca, botijão de gás, insuportável, gorducha e até mesmo desejar a minha morte – chegando ao cúmulo de apelar para seres imaginários, como o Papai Noel. Foram quatro anos de humilhação silenciosa, sendo xingada na frente de todos vocês sem poder reagir. Mas saibam que aquele franguinho não é essa maravilha toda que se apresenta para vocês. Muito pelo contrário.
A começar pelo papel dele aqui dentro do galinheiro. Tudo que ele precisa fazer é cuidar da nossa segurança, nos acordar de manhã e reproduzir. Dessas três funções, a única que ele cumpre religiosamente é a de nos acordar. Parece até que ele possui um prazer sádico em fazer isso. Todos os dias, às 5h da madrugada, ele sobe no telhado e dá um grito estridente, com aquela voz que ainda enfrenta os problemas da puberdade.
Com relação à segurança do galinheiro, confio mais na moita de capim que fica do lado de fora do portão do que nele. É só olhar para aquele franguinho raquítico que você entende o que estou falando. Ali não tem massa muscular nenhuma. Se ele tivesse que enfrentar qualquer galinha em uma briga, ele seria nocauteado no primeiro round. Imagina tendo que enfrentar uma ameaça de fora, tipo um gavião?
Aliás, os gaviões… uau. Eles são lindos! Voam bem alto, fazendo aqueles círculos perfeitos no ar. E aquele peitoral bem definido? Deve ser intrínseco de todo gavião ter aquele peitoral maravilhoso. Acho que o sonho de toda galinha é fugir com um deles, para bem longe. Voar pelo mundo, conhecer lugares novos. Pena que eles não têm olhos para nós e ainda ameaçam comer nossos filhotes. Mas mesmo assim continuam sendo lindos!
Calma, me distraí com tanta beleza. Deixa eu voltar para a última obrigação do Frango aqui na granja: a reprodução. Essa é a mais sofrível de todas. Para se ter uma ideia do tamanho do problema que ele vem causando, essa é a maior falta de pintinho desde a Grande Depressão de 1910. Ovos a gente consegue botar e estão sobrando no galinheiro. Mas para se ter pintinhos, é preciso que alguém faça sexo com a gente, coisa que ele é incapaz de fazer.
Ele fica tirando vantagem de ser o frango garanhão reprodutor do galinheiro e até hoje não fez jus ao nome. Se tiver feito sexo com três ou quatro foi muito. Os únicos dois pintinhos que nasceram são prova disso. E olha que as galinhas andam tão necessitadas que até aquele galo velho começa a parecer uma opção viável, mesmo que ele nem funcione direito.
Como ele é incapaz de manter uma conversa interessante com uma galinha, joga a culpa dos seus problemas no mundo, nas próprias galinhas, no granjeiro, no horário de verão, na transmissão de Fórmula 1, na unha encravada da pata. Em qualquer coisa que tire o foco dele, que não passa de um frango sem coragem.
Falo por todas as galinhas quando digo que a gente precisa de sexo. Não fico jogando o meu charme para ele a toa. Assim como ele fala que fica doido, eu também fico. Todo mundo tem os mesmo direitos de sentir prazer. Nós só não temos é opção. Ou é ele ou a gente fica sem. Por isso que ele se acha o último Trakinas do pacote e não faz nada. Mentira, faz sim: escreve no blog. Ele mais escreve no blog do que tenta conquistar a gente. E olha que ele escreve bem pouco.
O granjeiro também não está satisfeito com o desempenho dele. Já disse com a gente que “ou ele passa a fazer o serviço direito ou está fora”. Minha vontade é que a segunda opção ocorra. Que ele seja trocado por um frango melhor, que saiba tratar as galinhas bem e resolva a nossa carência. Sou uma galinha bonita, satisfeita com meu corpo e que só quero ter prazer de vez em quando. É pedir muito?
Aliás, como confiar em um frango que diz ter nojo de milho e que O-D-E-I-A (insira uma voz fininha aqui) celulite? Frescura não leva ninguém a lugar nenhum. Ou ele toma uma providência ou nós, galinhas, vamos tomar. É bom ele ficar esperto com a gente.
Começou a escrever em 2008 para fugir de uma rotina massante no galinheiro e descobriu que era bom naquilo. Ou pelo menos achava que era, já que nunca conseguiu dar nenhum beijo na boca por seus textos. Dizem por aí que continua virgem, mas ele nega.