A Razão era muito útil. Ele perdeu a conta de quantas vezes ela o ajudou a sair de alguma situação difícil ou evitou que ele fizesse merda. Mas como todos os benefícios têm efeitos colaterais, com a Razão não era diferente. A kryptonita dele eram as mulheres.
Sempre que se interessava por uma, a Razão aparecia para colocar os pés no chão. A estrutura da conquista era bem simples: ele conhecia uma mulher -> começava a conversar -> a Razão aparecia -> mostrava o quão retardado ele estava sendo -> a Razão ia embora -> ele não conseguia ficar com ela.
Com raras exceções, era exatamente isso que acontecia. Para quem via de fora, tudo isso passava como timidez. Para ele, a culpa era da Razão. Aos poucos ela o transformou em um homem sem coração. Nunca se deu a chance de amar. A Razão dizia que isso era burrice e ele acreditava nisso.
Se esse texto fosse um conto de fadas, nessa hora apareceria uma princesa e mostraria o poder do amor. Mas isso é só mais uma crônica, então não houve salvação. Mesmo cercado pelos amigos, ele se sentia só. Percebeu que faltava alguém do seu lado, alguém para compartilhar cada pequena alegria, celebrar cada vitória e para lhe dar a mão após os tropeços.
No meio da crise, a Razão ficou calada. Sábia, deixou que ele chegasse às próprias conclusões.
Ele, cansado, decidiu fazer a única coisa que lhe restava: destruir a Razão. Se ela era o problema, ia tirá-la do caminho e fim. Traçou um plano simples, de conversar, levar uma mulher para sair e fazer sexo com ela. Se a Razão aparecesse, arrumaria um jeito de calá-la.
Escolheu o alvo e começou a investida. E nada da razão aparecer. Há anos ela não o deixava em paz, por que agora? Levou a mulher para um barzinho e esperou a tradicional repressão da Razão.
“Vai fundo”. Foi a única coisa que ela disse a noite inteira.
Depois do bar, ele combinou de deixar a mulher em casa. Conversa vai, conversa vem, ela o chamou para subir para o apartamento e os dois terminaram a noite juntos. E a Razão permaneceu quieta o tempo todo.
Ela dormiu em seus braços, mas ele permaneceu acordado. Antes de o dia amanhecer, saiu. Ela nem percebeu a porta abrindo ou ele indo embora. Não entendeu porque fez aquilo. Era apenas o certo a se fazer. Foi uma das piores noites da vida, pois não estava fazendo aquilo por ele. Fez só para desafiar a Razão.
Foi quando finalmente o plano da Razão funcionou e ele percebeu que não adiantava mais lutar. Não precisava mais procurar a Razão dentro dele porque ele era a Razão. Percebeu que há anos travava uma batalha perdida e, para virar o jogo, precisava aprender a lidar com a Razão, não combatê-la.
A voz, satisfeita, voltou. Agora ele percebia que era a própria voz, mais séria e mais madura, mas a sua voz. E isso o tranquilizou. Demoraria um pouco, mas conseguiria se acostumar com aquilo. Quando entrasse em acordo com sua própria mente, os problemas com as mulheres acabariam. Pelo menos ele esperava que sim.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.