Dos hábitos perdidos durante a pandemia, o da leitura está sendo o mais lento para retornar. O avanço, porém, tem sido positivo e gradual. Em 2020, atingi a vergonhosa marca de apenas 12 livros lidos. Em 2021, foram 20. Este ano, a quantia subiu para 30. Apesar disso, o quantitativo não é o mais importante. Minha maior vitória foi ter me livrado de dois dos maiores calhamaços que estavam parados na estante. Mas a explicação para tamanho sucesso é simples: voltei a pegar ônibus com frequência.
Falei sobre isso no ranking do ano passado, mas sou dependente de uma rotina. E andar de ônibus faz parte disso, sendo meu melhor momento para leitura. Até chego a me sentir mal quando não tenho um livro comigo e preciso ficar olhando para a janela. Foi assim, por exemplo, que consegui dar o gás necessário para concluir as leituras de Os irmãos Karamazóv, Os miseráveis e Sapiens: uma breve história da humanidade. São obras grandes, que exigem uma atenção extra, só possível graças ao sacolejo do busão.
A insônia também me ajudou a concluir outros tantos livros. Como em boa parte do ano estava lendo obras muito grandes, deixei à mão uma leitura mais leve no Kindle. Então, quando acordava sem sono às 3h, era a ela que recorria para passar o tempo antes de levantar da cama. Foi assim que concluí vários títulos mais contemporâneos, como Depois dos 15, Árvore inexplicável, Daisy Jones & The Six, Suicidas e Com amor, Simon. Também aproveitei para ler alguns que queria há bastante tempo, como A pátria de chuteiras, O jardim secreto – até então o único livro que eu tinha abandonado na vida, quando tinha dez anos – e Uma escada para o céu, último livro do meu queridinho John Boyne lançado por aqui e que segue sem a versão definitiva por uma editora, tendo sido lançado apenas pela TAG.
Mas, como expliquei aqui, os últimos meses do ano foram complicados. Não havia mais um pingo de concentração no meu ser e, tentando dar algum rumo à minha desorientação, acabei encontrando o aconchego em algumas obras incríveis, como A cabeça do santo e Flores para Algernon. Quando a situação apertou, porém, não tive mais cabeça para a literatura – e para mais nada, vamos combinar. Foi quando aceitei que meu ano seria encerrado em novembro, pois eu tinha coisas mais importantes para me dedicar.
Diante desse cenário, escolher o top 3 deste ano foi bem difícil. Enfim, vamos a ele:
2022
3º lugar – Os irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski
A cada página que avançava em Os irmãos Karamázov, eu tinha certeza de que estava lendo um dos melhores livros da minha vida. Uma obra que se embrenha na mente dos personagens e expôe seus medos e fraquezas. Retrata pessoas difíceis como elas devem ser mostradas, com a complexidade necessária para entendermos seus pensamentos e contradições. Poder acompanhar a rotina dos três irmãos e do pai, entender suas relações e problemas pessoais, faz com que a obra ganhe contornos ainda mais incríveis. Mas a escolha por seguir de perto o puro Aliócha é o maior acerto da estrutura narrativa, pois o personagem consegue dialogar e ser respeitado por todos os atores envolvidos e, assim, ouvir as questões diretamente da fonte, mas do ponto de vista de alguém que está começando a se descobrir no mundo.
Isso sem falar, lógico, na descrição de uma Rússia decadente, repleta de problemas sociais que ainda precisavam ser resolvidos para que o país pudesse se desenvolver como gostaria. A pobreza, as condições de trabalho, a relação das pessoas com a religião e os laços criados a partir de relações desiguais de poder são apenas alguns dos pontos que ficaram mais evidenciados durante a leitura, mas muitos outros podem ser absorvidos em cada capítulo.
Em muitos trechos, é uma leitura densa, principalmente naquele dedicado a um julgamento – quem leu sabe –, mas nem isso tira o prazer de poder estar desfrutando um dos melhores romances de todos os tempos. Ele só não está em uma posição mais alta desta lista porque, bem, os outros dois são tão clássicos quanto e conseguiram me encantar um pouco a mais. A diferença foi no detalhe, é questão puramente pessoal mesmo.
2º lugar – Os miseráveis, de Victor Hugo
Depois de me embrenhar nos dois volumes da minha edição de Os irmão Karamázov, achei por bem começar outra leitura igualmente leve. Com mais de 1.900 páginas no box produzido pela finada Cosac Naify, entrei de cabeça nas ruas de uma França revolucionária para acompanhar a história de Jean Valjean, um condenado que ganha liberdade, mas carrega consigo o peso de ser um ex-proscrito para o resto da vida. Mas não só a história dele, As diversas pessoas que cruzam seu caminho e acabam, de um jeito ou outro, sendo influenciadas pelas atitudes que ele toma para se preservar e preservar a família que ele escolheu.
Um livro situado entre a Batalha de Waterloo e os motins de junho de 1832, que usa o cenário conflituoso como pano de fundo para os problemas dos personagens. A escolha por retratar uma camada mais pobre da população foge daquele estereótipo de retratar apenas as histórias da burguesia da época. A pobreza em que eles vivem, as dificuldades que passam e os conflitos morais têm uma ligação profunda com o momento histórico e são bem retratadas ao longo da trama.
Não por acaso o nome do livro é Os miseráveis. Não há uma pessoa sequer nesse livro que não esteja em um profundo sofrimento, seja físico ou emocional. A cada capítulo, eu já ficava imaginando a qual dor os personagens seriam submetidos dessa vez. A luta constante por liberdade da parte de Jean Valjean, a dor de Fantine por perder a pessoa que mais amava no mundo, a obsessão de Javert por fazer sempre o que considera ser o bem, a vontade de viver de Cosette, a necessidade de Marius de causar uma revolução e a coragem inocente de Gavroche são apenas alguns dos recheios de um livro incrível em cada uma de suas páginas – até mesmo quando se mete a descrever todo o sistema de esgoto de Paris.
1º lugar – Dom Casmurro, de Machado de Assis
Com um top 3 composto apenas por obras clássicas e incríveis, a vitória de Dom Casmurro se dá por um detalhe, que responde pelo nome único e exclusivo de Bentinho, um dos narradores menos confiáveis de toda literatura brasileira. Não é segredo para ninguém que sou apaixonado por analisar as formas escolhidas para contar uma história, então ver tudo narrado sob o ponto de vista de uma pessoa que claramente está fora do seu juízo normal, é uma ótima forma de imergir na trama de um jeito instigante.
Como boa obra machadiana pós-Romantismo, esse livro também apresenta críticas intensas à sociedade do Rio de Janeiro da época. Os capítulos curtos dão maior dinamicidade para a leitura, além de ela abordar conceitos que só seriam estudados anos depois, por Freud. Afinal, Bentinho é completamente dodói da cabeça e precisaria de um tratamento psiquiátrico para pode aprofundar nos traumas e fazê-lo lidar melhor com as situações que se apresentam para ele.
Mas, por mais a gente queira debater sobre outros pontos importantes, a pergunta que sempre fica é: “Capitu traiu Betinho?”. Bom, na minha opinião, ela não teve e nem terá nada com outros homens. Bentinho era um ciumento doentio, que não aguentou a pressão quando acabou tendo que ficar longe da família, sem um controle diário. Sou da tese, inclusive, de que Bentinho é o maior ícone bissexual da literatura brasileira, pois ele possuía um sentimento de posse e ciúmes com Capitu e Escobar, sendo esse último notado até mesmo pelas pessoas ao redor. Uma leitura incrível, que não tem como competir contra.
Ranking dos últimos anos
2011: 3º – Desventuras em série, Lemony Snicket || 2º – Os três mosqueteiros, Alexandre Dumas || 1º – Peter Pan, J. M. Barrie
2012: 3º – A invenção de Hugo Cabret, Brian Selznick || 2º – Jogador nº 1, Ernest Cline || 1º – A torre negra, Stephen King
2013: 3º – A dança da morte, Stephen King || 2º – O encontro marcado, Fernando Sabino || 1º – Daytripper, Fábio Moon e Gabriel Bá
2014: 3º – Mrs. Dalloway, Virginia Woolf || 2º – Lolita, Vladimir Nabokov || 1º – Sandman, Neil Gaiman
2015: 3º – O velho e o mar, Ernest Hemingway || 2º – Febre de bola, Nick Hornby || 1º – O senhor das moscas, William Golding
2016: 3º – A guerra dos tronos, George R. R. Martin || 2º – Pequenos deuses, Terry Pratchett || 1º – O sol é para todos, Harper Lee
2017: 3º – Androides sonham com ovelhas elétricas?, Philip K. Dick || 2º – Anna Kariênina, Liev Tostói || 1º – A saga do Tio Patinhas, Don Rosa
2018: 3º – A guerra não tem rosto de mulher, Svetlana Aleksiévitch || 2º – David Copperfield, Charles Dickens || 1º – Cem anos de solidão, Gabriel García Márquez
2019: 3º – A redoma de vidro, Sylvia Plath || 2º – Crônica de uma morte anunciada, Gabriel García Márquez || 1° – A casa dos espíritos, Isabel Allende
2020: 3º – Valente por você, Vitor Cafaggi || 2º – Os chefes, Mario Vargas Llosa || 1º – 1984, George Orwell
2021: 3º – O grande Gatsby, F. Scott Fitzgerald || 2º – As veias abertas da América Latina, Eduardo Galeano || 1º – O tempo e o vento: o continente, Érico Veríssimo
Livros lidos em 2022
(As datas são relativas ao término da leitura)
03/01: De repente adolescente, coletânea
26/01: A pátria de chuteiras, Nelson Rodrigues
31/01: Enquanto eu não te encontro, Pedro Rhuas
18/02: O jardim secreto, Frances Hodgson Burnett
23/02: Daisy Jones & The Six, Taylor Jenkins Reid
26/02: De volta aos 15, Bruna Vieira
16/03: Uma escada para o céu, John Boyne
02/04: O caçador de almas, Alex Kava
02/04: Piteco: presas, Eduardo Ferigato
12/04: O oráculo oculto, Rick Riordan
13/04: Encantados, Fábio Coala
18/05: Dom Casmurro, Machado de Assis
21/05: Um pássaro feito céu, Guilherme Alves
02/06: Os irmãos Karamázov, Fiódor Dostoiévski
04/06: Clichês em rosa, roxo e azul: Coleção completa, Maria Freitas
05/06: Pisando em nuvens, Iris Figueiredo
13/06: Anjinho: Além, Max Andrade
26/06: Entregas expressas da Kiki, Eiko Kadono e Daniel Kondo
06/07: Com amor, Simon, Becky Albertalli
30/07: Denise: Arraso, Cora Ottoni
01/08: Franjinha: Contato, Vitor Cafaggi
03/09: Terapia – Volume II, Rob Gordon, Marina Kurcis e Mario Cau
14/09: Sapiens: Uma breve história da humanidade, Yuval Noah Harari
25/09: Suicidas, Raphael Montes
07/10: A cabeça cortada de dona Justa Rosa,
11/10: Os Miseráveis, Victor Hugo
08/11: Árvore inexplicável, Carol Chiovatto
10/11: O fim é só o começo, Carol Vidal
14/11: A cabeça do santo, Socorro Acioli
24/11: Flores para Algernon, Daniel Keyes
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.