“Com um último beijo, o casal se despediu. Talvez para sempre”.
O Escritor avaliou a última frase e, satisfeito, colocou o ponto final. Após meses de lapidação de palavras, seu segundo livro estava pronto. Um romance, no sentido mais literal da palavra. Uma bela história de amor que, apesar de não acabar com o tradicional “felizes para sempre”, transmitia uma mensagem de esperança para os desafortunados amantes do mundo.
Guilherme e Juliana eram vizinhos, desses que se conhecem desde o nascimento. Das brincadeiras de infância e das trocas de confidências da adolescência, surgiu o amor. Nunca imaginaram se separar, até que conheceram o senhor Destino. Esse nobre brincalhão desafiava o amor dos dois e fazia de tudo para que não permanecessem juntos.
Em uma história de amor tradicional, os dois venceriam o senhor Destino e terminariam felizes. As leitoras chorariam com o final emocionante e todos ficariam bem. Mas não neste livro. Apesar de se amarem até o último minuto, eles perceberam que nada daria certo se continuassem juntos. Era, ao mesmo tempo, um aviso para os românticos incontroláveis e um alívio para os que achavam que nunca mais amariam na vida. Ou pelo menos era isso que o Escritor esperava que o público entendesse.
Em seu primeiro romance, a crítica foi só elogios. Com as boas avaliações vieram as boas vendas, principalmente para o público feminino. A Folha de São Paulo disse que o livro “é de uma sensibilidade rara. O Escritor conseguiu, logo em sua estreia, atingir o sentimento humano em sua forma mais pura”. N’O Globo, o destaque era para a bela história de amor, “algo único na literatura nacional”.
Mesmo com as boas resenhas, o Escritor mantinha-se focado no novo projeto. Só ele sabia o quão difícil era colocar as palavras no papel. Cenários, descrições, diálogos, poética, continuidade. Tudo precisava funcionar em harmonia para convencer o leitor. Nesse processo, sua paixão era criar personagens. Não tinha sensação melhor do que dar vida para cada um deles e vê-los tomando as próprias decisões no decorrer da história. Procurava transformá-los nos representantes mais fieis da espécie humana, trabalhando principalmente com os sentimentos. Modéstia à parte, fazia isso bem.
Por conta disso, uma pergunta que os repórteres sempre repetiam nas entrevistas era de onde vinha sua inspiração para criar personagens tão reais. Na resposta padrão, o Escritor dizia que se baseava em sua vida, no que havia observado e vivido. Era mentira. Poucos iriam entender se ele explicasse que não era um amante nato. Isso era algo difícil de absorver. Seus leitores ficaram perplexos.
Nunca acreditou no tal do amor. Nunca amou uma mulher. Se Pessoa disse que o poeta é um fingidor, o Escritor gostava de estender o conceito para os romancistas. Conseguia falar com perfeição do amor que não sentia – ou que supunha não sentir, pois talvez isso seja apenas a dor que deveras sente. Não entendia Romeu e Julieta, com sua paixão desmedida à primeira vista, levada às últimas consequências. Não aceitou quando Arwen abandonou a imortalidade para ficar ao lado de Aragorn. Tinha problemas com Tristão e Isolda, mesmo sabendo que os dois haviam sido enfeitiçados.
Seu lado racional não compreendia como surgiam as grandes paixões. Não sabia como as pessoas ficavam devastadas após términos, como eram capazes de suportar meses de separação se ligando apenas a um sentimento. Era um desafio constante transformar as coisas que não entendia em belas palavras. E o Escritor fazia o possível para não transparecer o que de fato sentia, para que quem lesse seus romances não soubesse desse estado amargo da alma. Gostava de pensar em si mesmo como o Homem de Lata à procura do Mágico de Oz. Queria acreditar que possuía um coração e só não tinha autoestima suficiente para usá-lo. Mas no fundo sabia que não tinha um e sentia muito medo que seus leitores soubessem disso. Que descobrissem que era um monstro que escrevia aqueles romances.
Nunca sentiu o amor, mas não foi por falta de tentar. Sua mãe, uma amante convicta, fez questão de ler para ele todas as mais belas histórias. Ele leu todos os grandes clássicos românticos do mundo. Tentou se envolver com diferentes mulheres ao longo da vida. Nunca conseguiu absorver o sentimento em sua totalidade.
Para compensar, o Escritor manejava as palavras com o dobro de empenho. Encaixava declarações nos momentos certos. Os beijos eram estrategicamente colocados. E, mais do que qualquer grande ato, era nos detalhes que se concentrava. O Escritor acreditava que era neles que residia toda a beleza de uma grande relação de amor. Era com esses detalhes que faria as mulheres suspirarem, se apaixonarem pelo livro.
E apesar de não entendê-los, torcia para os amantes. Tanto os ficcionais quanto os reais. Achava a relação que eles tinham de uma intensidade tão bela e louca que também queria algo assim, mesmo sabendo que era impossível. Nunca conseguiria se entregar de tal forma. Contentava-se apenas em escrever sobre o amor e não senti-lo. Costumava ser feliz assim.
Olhou novamente a última frase. Com o sentimento de dever cumprido, sorriu e enviou o arquivo para sua editora.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.