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Quando eu tinha 13 anos, fui para o sítio de uns amigos passar um feriado prolongado. A promessa era ficar cinco dias no ócio, me divertindo na piscina, jogando cartas/vídeo-game/jogos de tabuleiro e dormindo de madrugada após muita conversa fiada noite adentro. Conhecia quase todos que iam, mas, para minha surpresa, o primeiro dia ficou marcado por uma conversa com uma menina que eu nunca tinha visto. Trocamos algumas poucas palavras no início, pois eu estava concentrado em acertar porradinhas no Mortal Kombat. Algumas horas depois, porém, engatamos uma conversa animada no quarto. Foi quando ela virou para mim e disse: “não vou ficar com você porque você é muito feio”.
Notem que em nenhum momento disse que estava a fim dela ou demonstrei interesse. Sequer cheguei a insinuar algo na conversa. Foi o fora mais gratuito da minha vida. Com minha mentalidade atual, sei que o comportamento diz mais sobre ela do que sobre mim. E você pode argumentar que eu só tinha 13 anos, nem devia estar pensando em ficar com alguém. De fato, mas a maioria dos meus amigos só conversava sobre beijar na boca. Estava na hora. O estranho, porém, é que não fiquei triste com a situação. Soltei um “ok” e continuei como se nada tivesse acontecido. Meu feriado não foi abalado e, atualmente, mantenho contato com ela – que nem deve se lembrar desse caso. Mas eu me lembro. Afinal, foi quando percebi pela primeira vez que tinha algo errado comigo.
Quem me conhece sabe que não sou um sujeito tímido. Sempre apresentei peças e números de dança na frente de toda a escola, gostava de fazer trabalhos em grupo, sabia me virar bem em uma rodinha de conversa. Fui representante de sala por várias vezes e até mesmo ganhei troféu “cara de pau” na premiação que fizemos no 3º ano. Tive muitos bons amigos ao meu redor e os mantenho até hoje. Nunca foi difícil criar esse nível de conexão. Ao mesmo tempo, porém, sempre fui muito fechado. Isso é uma das minhas características mais marcantes, mesmo que as pessoas não percebam de primeira.
Sempre gostei mais de ouvir, perguntar e instigar a falarem comigo. É uma característica muito útil para a profissão que escolhi, inclusive. Também era uma das técnicas que eu usava para distrair um dos meus melhores amigos durante as partidas de vídeo-game na infância – e uso até hoje, mesmo fora desse contexto. Fato é que cresci expondo bem pouco dos meus sentimentos para as pessoas, mesmo as mais próximas. Não tem ligação com um ideal de masculinidade porque não tenho influências nesse sentido. Foi algo que aconteceu. Só há pouco tempo consegui enxergar que isso era, de fato, um problema e pude ter uma ideia mais nítida do porquê sigo teimando em ser assim.
Gosto de falar que não existe um pingo de autoestima dentro do meu ser. Soa como uma brincadeira autodepreciativa boba, mas é a forma que encontrei de encarar a realidade e enfrentá-la como se deve. Porque é verdade: não sei bem o que é ter autoestima em quase todos os setores da minha vida. Digo quase porque durante o início da adolescência tive uma fase um pouco prepotente, mas quem não teve? Sabia que era relativamente bom em algumas coisas e acabei me vangloriando mais do que o necessário sobre elas. Parei quando percebi o quão inconveniente estava sendo e as coisas melhoraram. Foi um período curto, mas coitadas das pessoas que conviveram comigo.
Enfim, voltando ao tema central deste texto/desabafo, hoje consigo dizer com segurança que muito dessa falta de autoestima que me acompanha ao longo de toda a vida toda passa pela certeza de que não sou interessante ou bom o suficiente para ninguém. É ridículo quando falo isso em voz alta na terapia ou quando coloco em palavras. De forma racional, também sei que não faz sentido. Mas é o que sempre senti. E apesar de tudo na minha vida ser pautado por essa sensação, há dois locais onde o calo aperta mais: no trabalho e na vida amorosa.
Vamos começar com o mais simples: o trabalho. Entrei na terapia quando comecei o emprego atual, pois estava me achando um verdadeiro lixo como profissional. Era um caso evidente de síndrome do impostor, em que me sentia o tempo inteiro enganado as pessoas e com a certeza iminente de que elas descobririam que eu era uma farsa e me mandariam embora. Isso veio em decorrência de uma série de experiências anteriores, que não vêm ao caso citar aqui. Mas minha confiança em mim mesmo, que quase não existia, foi sugada ao ponto de eu começar a desconfiar de qualquer coisa. Novamente, a sensação de que não era bom o suficiente para aquilo tomou conta e precisei de ajuda profissional antes de chegar ao fundo do poço, como fiz em 2012/2013.
Após quatro anos e meio de análise, consigo enxergar que sou qualificado para fazer algumas coisas, embora ainda fique com receio das responsabilidades assumidas em tão pouco tempo. Às vezes bate a sensação de que sou a pessoa errada no lugar errado, mas agora sei como lidar melhor com isso. Aprendi a identificar quando há um ataque de ansiedade nas redondezas, sou capaz de me abrir para as pessoas sobre isso e, o melhor, estou conseguindo encontrar os meios para controlar quando uma crise começa. A insônia está mais forte? Está. Ainda não sou capaz de ficar os oito segundos em cima do touro, mas cada dia tenho aumentado pelo menos um centésimo de segundo, o que ajuda no panorama geral das coisas.
O segundo fator da minha vida mais influenciado pela falta de autoestima é a vida amorosa. Desde que me entendo por gente tenho a sensação de que é impossível alguém se sentir atraído por mim. Quando tinha nove anos, recebi minha primeira cartinha de amor. Lembro o nome da menina até hoje: Paloma. Como qualquer menino típico de nove anos, minha reação natural foi rejeitar. Mas não era por uma aversão a meninas, típica da idade, era por achar que ela estava doida por gostar logo de mim.
A história da primeira menina que “gostei” também segue na mesma linha. Estava na sexta série quando meus amigos começaram a ter uns rolinhos. De repente, todo mundo estava gostando de alguém. Menos eu. Mas sabia que alguma hora essa pergunta chegaria até mim, então preparei a mentira com antecedência. Quando me perguntaram quem eu beijaria, indiquei a Mariana, uma menina da sala ao lado. Ela tinha sido uma grande amiga no ano anterior e a mudança de sala nos separou. Porém ela era um alvo inatingível. Ela nem era a menina mais bonita do colégio, mas por que alguém se interessaria por mim, o mais baixinho da sala, com cara de criancinha e nada interessante a oferecer? Na pressão, cheguei até mesmo a escrever uma carta, mas ela disse que me via como um irmão mais novo e morreu aí qualquer possível investida.
No mesmo ano, outra Mariana entrou na minha vida. Dessa vez era certo, eu ia beijar na boca. Afinal, a gente combinou de ir ao cinema sozinhos e tinha rolado um climinha. Mas, novamente, a insegurança bateu forte. Quem eu achava que era para sair com ela desse jeito? Logo eu, um grande saco de bosta que não tinha nada a acrescentar. Acabei desmarcando de última hora e qualquer possibilidade de um romance foi para o saco. Da mesma forma, perdi algumas oportunidades – não muitas, vamos ser sinceros, porque eu aparentava ter três anos a menos do que deveria – e essa insegurança extrema foi marcando meu crescimento.
E aqui retomo a história que contei no início do texto. Quando a menina disse que não ficaria comigo porque eu era feio, aquilo não fez diferença nenhuma. Porque já vinha de um histórico de me achar insuficiente para qualquer coisa, então nada do que ela dissesse poderia ser pior do que o julgamento que eu fazia de mim mesmo. Sei que o problema sou eu. De alguma forma estou estragado, não consigo consertar e não quero submeter outra pessoa a ter que conviver com isso. Então decidi me trancar dentro de mim mesmo e tenho me afundado cada vez mais nos meus vícios. Cheguei a um ponto de simplesmente desistir de tentar qualquer coisa porque não faz sentido insistir.
Nesses 32 anos de vida, não consegui manter um relacionamento estável por mais de um ano por puro desgraçamento mental. A maior parte dos meus envolvimentos amorosos – quando eles existem, o que é raro – são coisas efêmeras porque acho que a moça não tem motivo para estar comigo. E quando ela demonstra que quer e decido me aventurar um pouquinho que seja, minha ansiedade estraga tudo. Tenho um grande amigo que tem tentado me colocar para frente nesse sentido, mas toda vez desisto no meio do caminho. Ele, todo desinibido, não entende minha trava social. Na minha cabeça, a pessoa só pode ser doida por querer estar comigo. Sou feio, baixinho, não respondo mensagem, não sou interessante. Não tenho nada de bom para oferecer, então porque vou gastar meu tempo para flertar se nada faz sentido e vou estragar tudo?
Quer uma situação boba? No dia em que escrevi este texto, saí para almoçar com um amigo. Conversa vai, conversa vem, ele perguntou se eu “teria as manha de chegar naquela moça da mesa do lado”. Raramente fico sem graça, mas, no alto dos meus 32 anos, senti as bochechas ruborizando na hora. Ele também percebeu e riu da minha cara, porque ele me conhece bem o suficienteeu e sabe que não tenho as manha. Porque sei que ela nunca iria se interessar por mim. Porque não sei o que falar. Porque não sou o suficiente e não tenho nada a oferecer. Ela não tem outra escolha a não ser me rejeitar, senão ela está doida. Porque, no fim, sou um grande saco de bosta e mereço ficar sozinho.
Essa questão de não ser o suficiente é algo que já discuti bastante em terapia e tenho tentado melhorar. Parte do processo é me abrir mais e isso tenho feito com algumas pessoas. É escrever este texto confuso e tentar colocar ordem na cabeça sobre paranoias que carrego comigo desde sempre e me afetam de forma profunda, mesmo que não saiba de onde surgiram. É me desafiar em pequenas coisas e sair do lugar comum em que me encontro. É tentar coisas diferentes para ver até onde posso ir e quais são meus limites.
Não tem sido um processo simples. Pelo contrário, está sendo difícil para um caralho. Mas, como falo para aquele amigo que tenta me colocar para frente, estou tentando. Eu juro. Pode parecer que não estou fazendo progresso, mas estou. Só de conseguir falar mais abertamente sobre isso já é uma vitória enorme. São passinhos pequenos, sei, mas eles têm sido tão importantes que alguma hora vou conseguir controlar isso melhor. Enquanto isso, vou tentando do meu jeito.
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Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.