Ei, Mandinha.
Fiquei surpreso pra caralho quando vi uma carta sua chegar aqui na pensão. A gente tinha combinado de não se falar, sabe. Passei o voo inteiro tentando internalizar isso, me preparando pra vida nova sem você. Mas, alguns dias depois, lá tava a maldita carta. Assim fica foda.
Sei que propus terminar. Sei também que foi tudo muito rápido. Porém não precisa me punir. Tenta entender meu lado. Não tem nem 15 dias de governo e você já viu o tanto que o Bolsonaro aprontou. Nada até agora tá longe do prometido na campanha, mas você esperava algo diferente? Fuder com o meio ambiente? Check. Acabar com a cultura? Check. Falar merda sobre economia? Check. Parentes ocupando cargos? Check. E só aumentando as desgraças.
Por isso decidi sair. Você sabe meus motivos. Conversamos sobre isso por meses. Nem por isso tá sendo fácil pra mim também. É lógico que tô sentindo uma falta fudida de você na cama. De você me chutando no meio da noite. Do cheiro do seu cabelo. Daquele sexo gostoso de manhã. Porra, foi foda demais abrir mão disso tudo. Tá sendo ainda.
Não queria ficar falando sobre isso, mas pelo teor da sua carta você parece que precisa ouvir o quanto tô mal. Esse foi o pior Réveillon da minha vida. Tá satisfeita? Foi uma merda enorme. Tinha acabado de chegar em um país novo, não conhecia ninguém direito e tava sem você. Tinha como ser bom?
Só agora as coisas estão começando a se acertando. Aos poucos vou refazendo minha vida aqui. E se quer uma boa notícia, deu tudo certo lá no banco. Sabe a carta que pedi pro meu chefe escrever? Eles aceitaram e já comecei a trabalhar na semana passada. Tô fazendo um serviço bem parecido com o meu no Itaú, então a adaptação vai ser bem rápida e tranquila. O difícil vai ser acostumar com o sotaque desses portugueses, às vezes nem dá pra entender o que eles falam, mesmo sendo em português.
Já na pensão tá bem mais tranquilo. Os meninos também são de fora, então é uma mistureba de sotaques. O Carlo puxa aquelas vogais mais acentuadas da Itália e fala usando a mãozinha. Juro, ele parece estereótipo de filme. Já o Juan é mais de boa. Ele fala bem pouco, mas consigo entender bem o espanhol dele e o inglês é passável. Eles parecem ser gente fina. Saí pra beber com eles alguns dias, jantamos juntos outro dia. Acho que vamos ter uma convivência boa.
Minha vida está andando bem, então não pretendo voltar. Pelo menos não tão cedo. Você falou na carta sobra uma fantasia ridícula de que me arrependeria e voltaria pro país. Bom, pode tirar essa baboseira da cabeça. Eu parti, você decidiu ficar. É hora de encarar isso, como você mesma disse. Deixar tudo se assentar e ver no que vai dar.
Não sou contra a gente conversar por carta enquanto isso. Foram seis anos juntos e não é como se a gente tivesse brigado a ponto de um odiar o outro. É só uma forma diferente de ver o futuro. Aqui em Portugal será bem melhor para mim e torço para a sua luta aí fazer efeito. Só não tenho mais forças pra isso. Mas foi bom ler suas palavras. Fez eu me sentir menos solitário, como se você tivesse aqui do meu lado.
Concordo também da gente ir com calma. Se isso virar uma obrigação, vamos acabar achando que o namoro continua firme e não quero te dar essa falsa impressão. Ainda te amo, mas acabou. Espero fique bem claro pra evitar qualquer problema no futuro. Quero continuar conversando sem cobranças, como deve ser qualquer término civilizado.
Enfim, espero que esteja tudo bem por aí. Vamos nos falando.
Rodrigo
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.