Na última semana tive uma conversa com minha psicóloga em que finalmente consegui colocar em palavras algumas coisas que sentia (e sabia internamente) há muito tempo, mas ainda não estava pronto para encarar. Terminei a sessão quebrado e com muitas dúvidas, como era de se esperar. Passei a noite em uma insônia violenta, que me deixou dormir só duas horas. No vai e vem de pensamentos desconexos, cheguei à conclusão de que preciso tentar mudar algo ou vou pifar de vez. E isso passa por entender melhor as causas do meu problema e, enfim, me posicionar contra ele. Como sou melhor colocando as coisas no papel do que falando, pensei em escrever esse texto para organizar a cabeça e gritar, tanto para mim quanto para o mundo, na esperança de começar a me organizar melhor.

Então imagino que isso aqui vá ser um fluxo de ideias meio desestruturado, com muitas idas e vindas, mas não importa. Minha intenção é só conseguir escrever um pouco. Nada está sendo planejado, quero apenas dar um primeiro passo. Se você está lendo isso, é porque consegui e me senti bem o bastante para apertar o botão de publicar – o que já é uma grande vitória. Então, para tentar estruturar melhor os pensamentos, vamos voltar alguns anos para quando comecei o tratamento psicológico.

Em 2017, busquei ajuda profissional porque estava me sentindo um bosta no âmbito profissional. Tinha sido demitido há alguns meses por questões que não envolviam meu trabalho em si, mas, ao mesmo tempo, havia conseguido me realocar imediatamente sem nenhum problema. Aparentemente estava tudo ok, certo? O problema é que eu não estava feliz. Me sentia incapaz na nova empresa, sem confiança nenhuma em mim mesmo. Era a famosa síndrome do impostor, que já tinha me assolado outras vezes, mas que naquele momento estava me esmurrando com mais força do que nunca. Essa era a minha queixa principal na época e, felizmente, acredito que hoje ela já se resolveu.

Mas esse processo não foi simples – como a frase anterior pode sugerir. Foram anos até entender que, sim, sou um bom profissional e desempenho um trabalho adequado dentro do que é esperado de mim. Nesse caminho, acabei me jogando de cabeça e comecei a viver para o trabalho. Foi uma escolha. Pode não ter sido a mais saudável, mas era a que precisava ser feita naquele momento. Pensando no resultado, inclusive, acho que valeu a pena. Tive que conquistar alguns bons projetos e ter momentos de valorização até que meu cérebro pudesse entender que está tudo bem. Agora estou confortável com isso, apesar de ainda haver alguns momentos de hesitação e a ansiedade bater pesada. A origem deste texto, aliás, é porque estou em um desses momentos.

Retomei essa questão profissional com minha psicóloga porque tenho me sentido muito estranho. Na verdade, há alguns meses tenho relatado para ela um cansaço extremo e, lógico, tinha a ver com o trabalho – pois é só isso que faço da vida. Mas o tempo passou e não há uma perspectiva de melhora, esse é meu novo cenário e preciso aprender a lidar com ele. Tem a ver com as minhas novas obrigações, claro, mas tem mais a ver com a forma como eu encaro as coisas. Nessa sensação de que não estou apto para ser um bom profissional e que em breve alguém descobrirá que não presto, me dedico muito ao que faço. Muito mesmo. Mas sempre fui assim, na verdade. O problema é que cheguei a um limite nos últimos anos. Tenho vindo em um ritmo meio incontrolável, sem pensar em mim mesmo quando tomo qualquer decisão. Isso tem me deixado cansado. Muito. Mas não foi esse o ponto que relatei na última sessão. Eu finalmente consegui falar que estava me sentindo frustrado.

Entenda, não é uma queixa direta ao que faço. Eu amo o que faço, posso continuar fazendo por muito tempo. Não estou frustrado com isso. É de modo geral mesmo, com a vida. Minha psicóloga me abriu os olhos para o fato de que o trabalho é a parte mais fácil de ter validação e perder a sensação de não ser capaz. Ser reconhecido pelos pares, receber promoções e congratulações de clientes… tudo é muito fácil e posso dizer que consegui isso. Por isso, o problema inicial que relatei para ela já está superado, apesar das recaídas. O difícil mesmo é o resto, que eu nunca me dispus a encarar de frente. É isso que preciso fazer agora.

Falando pela primeira vez sobre essa frustração que tenho sentido, desse sentimento de que não sei para onde estou levando a vida, minha psicóloga me fez duas perguntas-chave: por que você se ocupa tanto e não se permite ter momentos livre? O que você tenta esconder ao não se permitir ficar com seus próprios pensamentos?

Essas perguntas me quebraram porque são coisas que eu encaro há muito tempo, sem solução.

Aqui vale um contexto. Todas as vezes que fui parar no hospital devido aos surtos de ansiedade foram em momentos que desacelerei. As três situações ocorreram após um período tenso, em que havia trabalhado muito, e, no final, tinha dado tudo certo. Ênfase no “dado tudo certo”, porque não é uma frustração pelo erro. Quando me permiti parar um pouco, meu cérebro não quis aceitar. Os pensamentos invasivos chegaram com tudo. É tudo muito desconexo, apenas uma maçaroca de flashes de ideias sem relação nenhuma. A cabeça vira uma grande geleinha, parece uma arte abstrata. Por mais estranho que pareça, tenho essa sensação sempre que não estou fazendo nada. Desde que me entendo por gente é assim. É quase uma culpa. Mas não sei realmente identificar qual a causa desse meu descontrole constante.

Apesar disso, uma coisa ficou clara para mim recentemente e foi isso que compartilhei com ela: me sinto insuficiente. Sobre qualquer coisa. O tempo todo. E sempre foi assim. Por isso entro de cabeça nas coisas em que posso ter um retorno imediato, como era com a escola e com o trabalho. Por isso, também, sou uma tragédia com relacionamentos amorosos. Por isso que me esforço para que as pessoas gostem de mim. Por isso que não consigo ficar tanto tempo sozinho sem me sentir mal. Por isso me dedico tanto aos outros e menos para mim. Eu me sinto insuficiente em todos os aspectos da minha vida e tento compensar preenchendo meu tempo com atividades que supostamente podem me deixar completo.

Sempre falei em tom de brincadeira que não tenho um pingo de autoestima. As pessoas não levam isso a sério porque encaro com bom humor. Parece coitadismo, o próprio sad boy. O problema é que é de verdade e ninguém entende exatamente o quão profundo é esse sentimento em mim. Tenho um bloqueio real com as coisas, mas foi só recentemente que me veio essa certeza de que é por eu me sentir insuficiente. Eu tenho plena certeza de que não mereço qualquer coisa boa que possa me acontecer. Não é pagar de coitadinho. É um bloqueio psicológico real, que me trava de formas que nem consigo explicar. É por isso que me saboto com uma frequência absurda. Mas só quem me viu travado em alguma situação vai entender isso.

Eu só consegui tocar nesse ponto com minha psicóloga porque tenho pensado nisso desde que escrevi o exorcismo do ano passado e visualizei todos os estágios dessa insuficiência no Carnaval. Foi quando atingi um limite comigo mesmo e decidi finalmente agir. Foram pequenos pontos que fui absorvendo e acumulando até explodir internamente, que posso exemplificar com mais detalhes. Coisas bobas mesmo, mas que me iluminaram na forma de encarar tudo que estava fervilhando na minha cabeça.

Quando fui roubado, logo no primeiro dia, minha primeira reação foi sair sozinho para resolver o problema, mesmo estando com muitos amigos em volta dispostos a ajudar. Não tinha um meio de comunicação, não tinha um documento comigo. Mas sai andando sozinho. Porque, afinal, na minha cabeça, ninguém tem que se preocupar com meus problemas. Preciso resolver as coisas sozinho. Preciso ser suficiente.

O momento do flerte também deixa isso bem evidente e um dos meus melhores amigos, que me viu nessa situação pela primeira vez, matou a charada na mesma hora. Ele percebeu logo que sou ótimo para abrir conversas, mas não sei finalizar. Eu já sabia disso. Porque sei que sou insuficiente para estar com qualquer pessoa e, por isso, não tenho a pressão de começar uma conversa com segundas intenções. E acredito piamente que ninguém vai querer estar comigo porque sou quebrado e vou fazer mal para ela. Aí nem tento nada, mesmo que seja apenas um beijo em uma pessoa que nunca mais vou saber o nome, no meio da rua. Porque eu não presto. Sou insuficiente.

Aqui vale um parênteses porque esse sentimento (que agora consegui nomear) foi o que fudeu todos os relacionamentos que já tive até hoje. Meu último namoro foi contornado pela doença e morte da minha mãe. Minha ex é uma pessoa incrível e queria me dar o suporte que eu precisava. Mas não deixei ela se aproximar em nenhum momento. Porque não queria causar mais problemas. Não queria ser um estorvo. Me sentia insuficiente para lidar com aquela situação e redobrei meus esforços para tentar ser suficiente. E me joguei de cabeça em cuidar da minha mãe, a ponto de nada mais ser importante. O namoro foi ficando de lado, a um ponto de chegar a um ponto de romper. Porque eu sentia que não era mais suficiente para ela e estava fazendo mal.

Enfim, voltando para o Carnaval, tentei usar esse momento para me desamarrar um pouco dessas questões. Era a situação perfeita, aproveitando o momento junto com meus amigos e com a cabeça enfim disposta a isso. Mas o tempo todo essas questões ainda ficavam martelando na minha cabeça. Eu não sou bom o suficiente para estar nessa situação. Não mereço isso que pode eventualmente acontecer se eu tomar a decisão x ou y. Não sou suficiente o bastante para isso, preciso melhorar muito até estar apto a viver isso. Parece bobeira falando isso em voz alta, mas é difícil para caralho me livrar desses pensamentos tendo passado uma vida inteira com eles.

Falei uma versão resumida desses pontos com minha psicóloga, porque só agora estou parando para pensar de fato nesses pontos. Mas a pergunta que ficou da sessão com ela – e que vamos continuar a debater mês que vem – foi a mais importante para mim: o que significa esse “se sentir insuficiente”?

Ainda não tenho uma resposta para isso e não sei bem de onde vem. É algo a se pensar e aqui entro em um terreno de pura especulação que vou abordar melhor nas próximas sessões. Pode ser, por exemplo, de uma criação feita durante uma crise econômica fudida, em que precisei me mostrar suficiente o tempo inteiro para garantir o melhor para mim. Ou por ter tido um desenvolvimento tardio, ser sempre o menor e mais novo, e ver todos os meus amigos passando etapas da vida enquanto eu ia ficando para trás. Ou por me sentir sempre inferior aos outros que estão ao meu redor e, na minha cabeça, ter que me esforçar o dobro para chegar perto do que eles aparentam ser para mim. Ou, no caso amoroso, um combo disso tudo que já falei e por ter sido sempre rejeitado, criando uma carcaça que acredita que não sou suficiente para deixar ninguém feliz.

Enfim, a cabeça ainda está uma zona e preciso parar para conversar comigo mesmo e com meus amigos. Se aprendi uma coisa é que preciso me abrir mais com as pessoas que amo e é isso que estou tentando fazer aos pouquinhos. Esse texto é um primeiro passo para eu me entender melhor e conseguir mudar alguma coisa. Até mesmo porque do jeito que está, não tem jeito de continuar. Tenho para mim há alguns anos que minha única meta anual é ser a melhor versão de mim mesmo. E, dessa vez, ser a melhor versão de mim exige que eu rompa as cascas e comece a pensar um pouco mais em mim. É ser um pouco egoísta pela primeira vez na minha vida e acreditar que está tudo bem com isso. É conseguir viver como eu quero – mesmo que eu ainda não saiba o que quero fazer ou para onde quero ir. Mas isso são cenas para as próximas sessões.