Seu sonho era chegar logo ao apartamento. Foi obrigada a usar aquele terninho preto – ou, como gostava de chamar, inferninho preto – o dia todo e, como desgraça nunca vem sozinha, o salto alto começou a machucar seus pés. Tudo que queria era um banho frio e um bom livro deitada de frente para o ventilador.
Mal abriu a porta e as roupas já estavam no chão. Levantou as janelas para arejar a casa e foi direto para o chuveiro. Água fria, sorriso bobo no rosto e todas as preocupações ralo abaixo. Enxugou-se, vestiu uma calcinha confortável e foi para o sofá com seu exemplar de Cem anos de solidão. O ar que vinha do ventilador era um alívio depois daquele dia estressante e quente.
No prédio vizinho, Antônio observou tudo. Viu quando ela chegou, quando tirou a roupa, quando voltou do banho e agora a via deitada no sofá, praticamente nua. Tinha saído para estender a toalha bem naquela hora. A janela da lavanderia era a única que dava de frente para aquele apartamento e nunca tinha notado a vizinha. Pelo menos até ela aparecer em sua frente apenas de calcinha.
De onde estava, conseguia ver os seios subindo e descendo no ritmo da respiração. As pernas abertas a deixavam confortável, mas também mostravam mais do que deviam. Antônio mal conseguia acreditar em sua sorte. Os caras do escritório nunca iam acreditar quando ele contasse o que aconteceu.
Mas não era só ele que já passara algum tempo admirando a moça do apartamento de frente. Viradas de pescoço eram comuns quando ela passava. Assovios também. Quando percebia algum destes gracejos, ela apenas erguia o dedo do meio para os atrevidos e continuava seu caminho. Tranquila, como se nada tivesse acontecido. O tipo de pessoa que já ligou o botão do foda-se e segue sua vida atrás de um futuro melhor, apesar de todas as injustiças por ser uma mulher.
Mas ela não percebeu que Antônio a observava, caso contrário teria xingado alguns palavrões pela janela e ido ler no quarto. Confortável, acabou adormecendo no sofá mesmo, com o livro a seu lado. Antônio estava extasiado como há muito tempo achava que não poderia ficar. Foi quando ouviu passos atrás de si.
– Amor, o que você está fazendo na lavanderia?
– Vim estender minha toalha.
– Precisa de tanto tempo pra fazer isso? O que você tá fazendo debruçado nessa janela?
– Nada de mais, bebê. Tá vendo aquelas flores ali? – e apontou para uma janela a seis andares de distância do apartamento que ele espionava. – São bonitas, não são? Acho que ficariam lindas aqui.
– São bonitas mesmo, mas vem logo que o jantar tá pronto.
Ele olhou para a esposa e se aproximou dela como há tempos não fazia. Deu um beijo digno de primeiros encontros, de fazer os dois perderem o fôlego. Eles ficaram enroscados por minutos seguidos até que ela, sem ar, ajeitou o vestido e saiu da lavanderia. Só deu tempo de ouvir ele sussurrando:
– Espera só um pouquinho que já estou indo.
Para ler ouvindo: Flores na janela – Rafael Fontana
Esta crônica faz parte do Music Experience
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.