“Yo no creo en dioses, pero que los hay, los hay”. Essa frase, ou algo muito parecido com ela, foi-me dita há muito tempo, quando eu era apenas uma criança. Na época não entendi direito. Agora ela faz todo o sentido.
Vamos começar do início e deixar uma coisa bem clara para os leitores: sempre fui cético. Nunca acreditei nos tais deuses do futebol que os torcedores de outros times insistiam em ver. Se eles estavam por aí, jamais olharam com carinho para meu clube do coração. Foram anos e anos sem bençãos, sem títulos ou vitórias heroicas que me fizessem acreditar. “E, se esses tais deuses existem, não podem ser bons”, concluí, um pouco mais velho e calejado pelo futebol.
Hoje consigo ver a história épica que eles planejaram ao longo de quatro décadas. Cada derrota, cada queda. Tudo arquitetado para que a vitória, em um futuro distante, fosse mais saborosa. Quiseram tornar a conquista uma vitória pessoal para cada atleticano. Uma vitória contra aqueles apitos que já nos tiraram de outras Libertadores. Contra títulos brasileiros perdidos invictamente. Contra times com jogadores que não valiam o grito ensurdecedor das arquibancadas.
Durante toda a Libertadores, os deuses tiveram a oportunidade de percorrer diferentes caminhos. Havia um campeão do mundo, campeões nacionais de vários países, azarões, orçamentos astronômicos, salários atrasados, torcidas fanáticas. Eram infinitas as possibilidades de se contar a história que guiaria 2013. Eles, então, escolheram a mais complicada. Adotaram como improvável protagonista o time que é desacreditado por sua história. Aquele que não ganhava nenhum título importante há mais de 40 anos. O azarado. O time dos jogadores renegados. O do técnico chorão.
Essa curiosa escolha mostrou os primeiros esboços de um título ainda na primeira fase, quando derrotou um a um de seus adversários e se classificou como primeiro colocado geral da competição. Diziam os escritos sagrados que a melhor campanha era uma maldição e sinal de eliminação precoce. Foi quando os deuses do futebol (ou os demônios futebolísticos, dependendo da sua torcida) encarnaram no experiente zagueiro Lúcio e forçaram sua expulsão. Vitória no jogo de ida e baile de gala atleticano no jogo de volta. Deuses em festa por mais uma etapa completada.
Vendo que nada poderia ser tão fácil para seu protagonista, eles adicionaram um fator extra à epopeia inacabada: a emoção. Escolheram um adversário nascido há pouco tempo, que vem sob a batuta da pimenta mexicana e em um campo digno dos piores condomínios brasileiros. Mas nem a grama sintética parou o alvinegro das alterosas, que arrancou um empate heroico em território xolo. Em casa, os deuses encarnaram em Victor, o Libertador (assim chamado daqui para frente), e empurraram seu pé esquerdo para cima no momento exato, naquele pênalti aos 49 do segundo tempo, que poderia mudar tudo.
Os deuses expulsaram as máscaras da morte do Independência, mas pregaram mais uma peça nos atleticanos após uma derrota na Argentina. Os adversários explodiam de tanta felicidade. Já viam a Massa derrotada, como em tantas outras vezes. Mas os torcedores gritaram em alto e bom som: “EU ACREDITO”. Os deuses do futebol ouviram extasiados o chamado de uma torcida que parecia tê-los abandonado e abençoaram o pé do jogador que todos amam odiar. Guilherme se tornou o Milagreiro, que salvou a todos no apagar das luzes, literalmente. Victor, o Libertador, já amigo dos deuses, garantiu a vitória nos momentos finais. Mais uma vez. A torcida foi, aos prantos, para sua primeira final.
Decididos a não dar moleza para o Galo, os deuses aprontaram mais uma de suas gracinhas, com um gol aos 48 do segundo tempo e mais uma derrota por dois gols de diferença fora de casa. Dessa vez os gritos de “EU ACREDITO” foram mais altos, gradativamente transformados em um “EU TENHO CERTEZA”! Havia chegado a hora desses torcedores serem felizes, decidiram.
Como não podiam deixar aparente a preferência, os deuses resolveram complicar no primeiro tempo. Na volta do intervalo, relaxaram e disseram: “Vai Galo, ser campeão na vida”. Foi então que Jô, o Desbravador, encontrou o gol logo no início da etapa final. Os paraguaios ainda tentaram driblar os prognósticos negativos e garantir o título sem o consentimento dos deuses, mas uma rasteira providencial de um deles sobre Ferreyra, quando não havia mais ninguém entre ele e o gol, mostrou que a história daquela noite já estava desenhada. A cabeçada fatal de Leonardo Silva, o Abençoado, e a série de cobranças de pênaltis, com mais uma defesa do Libertador, foram só para confirmar o que os deuses queriam. O título mais importante de um clube que antes não tinha nada e que agora tem a América aos seus pés.
Eu passei 24 anos esperando por um sinal divino. Duas décadas de ceticismo que me fazem pedir perdão de joelhos. Os deuses do futebol existem e nunca mais duvidarei disso. Talvez eles demorem a olhar por nós de novo. Talvez nem apareçam mais. Não se preocupem conosco, estamos acostumados com isso. Continuaremos acreditando neles mesmo assim. Aliás, antes que eu me esqueça, obrigado deuses. Em nome de todos os atleticanos, obrigado pelas noites iluminadas. Obrigado por tudo.
* Todas as fotos que ilustram este post (exceto a de destaque) são do Gabriel Castro, o primeiro fotógrafo que corro atrás para ver as melhores fotos dos jogos do Galo! O cara tem muito a manha.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.