São dois anos ao lado da mulher que mais amo nesse mundo. É pouco tempo para ter essas certezas, eu sei, mas o amor não segue lógicas. Sou louco por ela e, se preciso fosse, gritaria isso para a cidade inteira ouvir. Compraria um megafone e ficaria no meio da praça como um profeta do coração. Todas as partes do meu corpo clamam por um pedaço do dela. Sinto uma dor de saudade quando não estamos juntos. Nunca achei que alguém me deixaria em tal estado. Ela conseguiu.
Estamos nos preparando para morar juntos, inclusive. Foi proposta dela, uma psicóloga em início de carreira, com uma vida financeira estável e uma clientela em expansão. Eu concordei. No último semestre da faculdade de Educação Física, estou em estágio que pode se tornar emprego. A vida está encaminhada. Faltam apenas acertar alguns detalhes. Decidimos acertá-los juntos e estamos felizes por isso.
E pensar que tudo começou da forma mais banal possível. Fomos apresentados em um happy hour de amigos em comum e quando demos aquele beijo no rosto de praxe, fomos picados pelo bichinho do interesse. Foi o perfume dela que me chamou atenção. Para ela, foi a minha boca. Trocamos olhares, conversamos e em menos de meia hora já estávamos aos beijos. Liguei no dia seguinte, coisa que nunca tinha feito por nenhuma outra mulher. Ela realmente havia me marcado.
Saímos juntos mais algumas vezes, nos apaixonamos. Ela tem um olhar ingênuo e um sorriso fácil. Foi por eles que me apaixonei a princípio. Quando mergulhei neles, descobri que escondiam uma personalidade forte o suficiente para deixar qualquer homem no chão. Decidida, autêntica. Isso me conquistou de vez.
Por outro lado, eu era um babaca. Vivia enfiado na academia, “treinando” meus belos músculos enquanto o ambiente tóxico e machista me contaminava. Não tinha nada de bom a oferecer e mesmo assim ela me aceitou. Disse que gostava de mim. Que via o homem bom por trás da máscara. Então ela colocou meus pés no chão. Suas discussões me faziam parar e pensar. Foi por causa dela que a faculdade começou a valer a pena.
Antes eu vivia nos bares, bêbado, cercado por um monte de amigos nas mesmas condições. Ela me fez mudar. Comecei a aproveitar mais as aulas. A enxergar a prática esportiva por um lado mais humano. Comecei a me interessar mais pelo ensino e por crianças. Ainda saía com meus amigos, mas o tempo de farra exagerada havia terminado. Finalmente tinha alguém para encontrar todos os dias. Alguém que sempre estaria lá para me apoiar, oferecer uma palavra amiga ou um colo quando eu precisasse. Alguém para quem eu pudesse fazer o mesmo.
Ela se formou um ano depois que começamos a namorar. Os seis meses seguintes foram os mais intensos de nossas vidas. Enquanto ela se acertava com o novo consultório, eu chegava ao último ano do curso. Entre clientes, matérias e alunos, nos saímos bem. Estávamos mais unidos e decidimos concretizar essa união. Morar juntos era o passo certo a ser dado, então começamos a olhar apartamentos.
Nossa busca coincidiu com a época em que ela precisou dividir o consultório com uma amiga. Combinamos que, enquanto ela faria a mudança, eu olharia os apartamentos. Tínhamos em mente um no centro que seria perfeito. A ligação aconteceu no meio dessa visita. Ela veio de um número desconhecido e, como eu não podia atender, desliguei o telefone e continuei a conversar com o corretor. Esqueci de religar retornar e, quando fui para casa, nem me lembrava mais da ligação.
Ao ver meu carro parando na garagem, meu irmão correu desesperado na minha direção. Me viu e começou a falar coisas sem sentido, completamente alterado. Tentei acalmá-lo e não consegui. Palavras soltas como “hospital”, “mamãe” e “sua namorada” saíam da boca dele. As ideias não concatenavam.
Fiz um copo de água com açúcar e, aos poucos, veio a calma. Junto com ela, um semblante sério e pesaroso. Ele começou a me contar. Enquanto falava, meu mundo caiu pedaço por pedaço. Minha namorada tinha sofrido um grave acidente de carro na porta do novo consultório. Tinham tentado me ligar mais cedo do hospital para avisar. Não conseguiram. Então minha mãe foi até lá para ficar com ela.
Só consegui voltar para meu corpo quando senti as primeiras lágrimas escorrendo pelo rosto. Acidente grave? Hospital? Meu Deus, onde eu estive todo esse tempo que não fui socorrê-la? Um idiota! Um completo idiota que não serve nem para atender um telefone quando ele toca.
Corri para o hospital e encontrei com minha mãe. “Ela acabou de sair da sala de cirurgia”, me disse. Tinha tudo corrido bem, mas os médicos falaram algo sobre ela permanecer em coma. Coma? Não é possível. Não naquele momento, quando estava tudo indo bem. Quando me deixaram visitá-la, quase não a reconheci em meio a tantos hematomas e desfigurações. Apesar disso, ainda era ela. As lágrimas cobriram meu rosto e segurei as mãos dela. Ia dar tudo, eu tinha certeza.
Ela está há seis meses em coma, sem alterações do status. Vou vê-la todos os dias. Às vezes converso e, na maioria dos dias, apenas olho. Lembro de todos os sonhos que vivemos juntos e que agora estão ali deitados e inertes. Não vou desistir dela. Nunca. É a mulher que amo. Não quero fechar meus olhos, não vou cair no sono enquanto olho para ela. Sinto muita falta de nós dois. E ficar olhando para ela faz com que eu nunca esqueça nenhum detalhe daquela mulher.
Para ler ouvindo: I don’t wanna miss a thing, do Aerosmith
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Vou desativar meu antigo blog, o “Memórias de um frango”. Para isso, vou resgatar as crônicas que estavam postadas lá, dar uma repaginada e trazer para cá. Essa foi a primeira que escrevi sobre uma trágica história de amor. Na época, já tinha feito muitas coisas voltadas pro erótico e meus amigos acharam que eu só sabia escrever aquilo. Tentei algo diferente do que estava acostumado e saiu essa crônica. Não é uma das minhas favoritas, mas é definitivamente um início.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.