Urupês
Monteiro Lobato
Publicado em 1918
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Dos livros adultos de Monteiro Lobato, Urupês é, sem dúvidas, o mais famoso e o mais importante. Além de ser a primeira obra publicada pelo autor, conta com um de seus personagens mais importantes: Jeca Tatu. Formado por 14 contos, escritos entre os anos de 1914 e 1917, o livro foi publicado em 1918 e tornou-se rapidamente um fenômeno de vendas. Cartas de Lobato contam que, antes mesmo do aniversário de um ano da obra, as vendas já haviam ultrapassado a casa dos 10 mil exemplares. Valores bem expressivos para a época, uma vez que o próprio Lobato esperava vender o primeiro lote de mil exemplares em cerca de cinco anos.
Apesar de apresentar diferentes temáticas em seus contos, a importância de Urupês está na crítica que faz à decadência da zona rural brasileira e ao tipo nacional imaginado por nossa literatura. Com uma linguagem que foge dos padrões parnasianos da época, mas ainda com um pé no Naturalismo e já flertando com o Modernismo, Lobato encarna um personagem do campo e traz as mais diversas situações que mostram, às vezes metaforicamente e às vezes diretamente, as mazelas dessa população. Com alguns neologismos e várias passagens que lembram a tradição oral, os personagens ganham força pelas descrições por vezes exageradas, mas que, em conjunto com a descrição do ambiente em que vivem, se tornam mais ricas e complexas.
Em A colcha de retalhos, por exemplo, uma família rural enfrenta a decadência pós fuga da filha, única esperança para reerguer a fazenda. Em uma das passagens mais bonitas do livro, a avó conta ao narrador que estava fazendo uma colcha de retalhos com todas as roupas que a menina já havia vestido na vida, mas que ficaria incompleta porque nunca teria um pedaço do vestido de casamento.
O tema da decadência rural também é abordado em A vingança de Peroba e O comprador de fazendas. Porém é nos ensaios publicados por Lobato em 1914 que essa faceta crítica se amplia. Em Nossa terra, as queimadas são colocadas em cheque de uma forma irônica e, muitas vezes, indignada.
Porém é em Urupês, conto que dá nome ao livro, que toda essa crítica é destilada. Tudo na forma de um único personagem, que representa a figura do caboclo descrita por Lobato. Jeca Tatu é um ataque direto ao modelo indianista, que idealizou tanto os nossos modelos que criou o caboclismo. Segundo o autor, a miscigenação entre os portugueses, índios e negros não criou um novo sujeito mais forte. Pelo contrário. O caboclo proveniente dessa mistura é um ser preguiçoso, fraco, sem cultura e passivo diante das situações cotidianas. “Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!”.
Alguns anos depois, Lobato voltou atrás na sua concepção inicial do personagem e disse que “Jeca Tatu não é assim. Ele está assim”, reconhecendo que ele estava a mercê de um sistema de saúde ineficiente e que a sua situação só estava ruim daquele jeito porque era deixado de lado pelo poder público.
Mas deixando de lado essa crítica ao mundo rural, onde ponto a ser destacado em Urupês é que os contos seguem um padrão, descrito no conto Um mal de Maupassant. O Maupassant em questão é o escritor e poeta francês Guy de Maupassant, que utilizava das técnicas naturalistas para trabalhar a sua crítica social afiada. No conto de Lobato, assim como na obra do francês, são ações extremas que norteiam os personagens, fazendo com que amor e morte sejam temas bastante explorados. Isso acontece em muitos contos de Urupês, em que as ações dos personagens são questionáveis e exageradas, mas sempre movidas por algo maior e que resulta, em quase todos os casos, na morte de alguém.
Enfim, um livro bem menos divertido que O macaco que se fez homem, porém mais importante por toda sua crítica e pela forma como Lobato traz a cultura rural para as páginas. Um tapa na cara dos indianistas de plantão e um olá para os modernistas que já estavam chegando (mesmo que o Lobato tivesse seus problemas com os modernistas, mas isso é assunto para outro texto).
Urupês
Monteiro Lobato
Editora Globo, 2007
181 páginas
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.