Uma paixão em preto e branco
Roberto Drummond
Publicado em 2007
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Não é segredo pra ninguém que sou atleticano. Muito atleticano. Só que trabalho com jornalismo, meio no qual pouca gente revela o time do coração. No meu pouco tempo como estagiário de um veículo médio/grande, me pediram para esconder meu time. Seria bom pra conseguir algumas chances em determinados lugares, me disseram. Eu, obviamente, não dei ouvidos.
Mas por que estou falando isso? Porque esse problema é exatamente o início de Uma paixão em preto e branco, do grande escritor e atleticano Roberto Drummond. O livro é uma coletânea das crônicas de Drummond sobre o Clube Atlético Mineiro, escritas desde o início dos seus trabalhos como cronista esportista no jornal Estado de Minas, em 1969, até a sua morte, em 2002.
A primeira crônica do livro começa com a citação da famosa frase de Hemingway – “a razão antes do coração” – e com Drummond explicando que ele era atleticano. Por isso, o coração falaria mais alto às vezes. Mas ele avisa que iria sempre se policiar para escrever com a razão, pois também escreveria sobre América, Cruzeiro e tantos outros times do Brasil.
Com relação ao Roberto Drummond tenho pouquíssimo a falar. O cara era sensacional com as palavras. Quando falava de futebol, então… qual atleticano nunca escutou a frase “Se houver uma camisa preta e branca pendurada no varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento”? Ou qual cruzeirense nunca chamou sua torcida de China Azul? São só alguns exemplos dos toques de genialidade de Drummond.
Por causa disso vou analisar o livro em si. Como coletânea de crônicas do autor, o organizador Alexandre Simões é muito bem sucedido. Todas, desde as mais literárias até as mais simbólicas para a equipe, estão presentes. Com elas é possível perceber como estava o Atlético na época, a sensação dos torcedores, as expectativas sobre o time e quem eram os craques, tanto do presente quanto do passado. E também as preocupações e decepções pelas quais a torcida passou ao longo dos pouco mais de 30 anos em que Drummond escreveu sobre futebol.
Porém, como documento histórico do Clube Atlético Mineiro, apontaria um único defeito: a ausência das crises. Todos os momentos importantes do clube estão retratados por lá: a vitória sobre a seleção de 70, a final do Brasileiro de 1971, a decepção invicta de 1978, a ascensão e queda do rei Reinaldo, o hexacampeonato mineiro na década de 80, a roubalheira na Libertadores de 81, a Conmebol de 92, a final do Brasileirão de 99. Está tudo lá, todas as glórias e momentos importantes do time. Faltam as grandes crises, em especial o período difícil da década de 90.
Queria muito ver o que o Drummond tinha a falar de cada uma delas, mas isso quase não aparece no livro. É fácil perceber pelas datas das crônicas. O livro tem 166 páginas. Até a página 117 não havíamos chegado à década de 90. Nessa página começa um especial que o autor fez em homenagem aos 82 anos do Atlético em 90, que vai até a página 140.
Restam 26 páginas para um dos períodos mais tenebrosos da história do alvinegro, com péssimas gestões e quase nenhum resultado de peso. As crônicas de futebol de fato (tem umas políticas no meio do caminho) aparecem em 92, na Conmebol, e voltam em 99, quando o Galo chegou à final do Brasileirão.
Nem sei se o Drummond chegou ou não a escrever sobre esse período, mas senti falta. Por isso fico levemente dividido ao pensar no livro. Ele é excelente, mas podia ter esse toque a mais. Mas, pensando racionalmente, é querer demais. O livro foi lançado em 2007, nas vésperas da comemoração do centenário do time. A última coisa que alguém quer é ressaltar os problemas durante uma comemoração. Até se o seu time for o Íbis, tenho certeza que as páginas serão elogiosas.
E uma coisa posso falar: como comemoração à história do Atlético e ao talento de Drummond, Uma paixão em preto e branco é sensacional.
Uma paixão em preto e branco
Roberto Drummond – organização Alexandre Simões
Editora Leitura, 2007
166 páginas
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.