Um, dois e já

Inés Bortagaray
Publicado em 2010
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Meus pais tiveram três filhos, duas meninas e um menino. Eu sou esse menino, o caçula da família e com uma grande diferença de idade para minhas irmãs. Por sempre ter sido o menor, me acostumei a sentar no meio quando saíamos de carro. Lá não tinha a melhor das vistas e, para conseguir ver algo, acabava me apoiando entre os bancos da frente para olhar pelo para-brisa.

Só fui ganhar o privilégio de sentar no canto quando minhas irmãs tiraram carteira. Quando isso aconteceu, passei a agir como qualquer pessoa normal: criei joguinhos mentais para fazer o tempo passar mais rápido nas viagens. Entre contar os carros que passavam e transformar a mão em uma aranha com o reflexo do vidro, a maior diversão eram os postes. A brincadeira podia variar, mas eles sempre estavam envolvidos. Um, dois e já, livro da escritora uruguaia Inés Bortagaray, começa justamente com a protagonista brincando de contar postes. Nem preciso falar que me identifiquei de cara.

Narrado pela filha do meio entre quatro irmãos, Um, dois e já conta a história de uma viagem que a família fez da cidade de Salto (ao norte do Uruguai, próxima da fronteira com a Argentina – e cidade natal de Inés) para a costeira La Paloma, em um trajeto de aproximadamente 500 quilômetros. Entre sonhos, devaneios e brincadeiras, acompanhamos o que a menina pensa durante todo o trajeto que leva os seis até a praia.

Se for para enquadrar Um, dois e já em alguma categoria, diria que ele é um livro de viagem mesclado com memórias da infância. São apenas 93 páginas que revelam a delicadeza e simplicidade com que as crianças veem o mundo. Confinada em um curto espaço geográfico, a menina procura maneiras de se divertir, seja com os irmãos, com a paisagem ou com a própria mente.

A história se passa em algum lugar no início dos anos 1980, em uma época que o Uruguai vivia sob a ditadura e a Guerra das Malvinas acontecia na Argentina. Sabemos disso porque a protagonista dá algumas pistas sobre o posicionamento político dos pais e alguns outros comentários são feitos. Porém isso é feito só de passagem, uma vez que não são relevantes para a protagonista.

A propósito, é isso que dá o charme para o livro. Ele transita entre o real e o imaginário de forma fluida, fazendo com que entremos de fato na cabeça da menina. Ela brinca com os irmãos, briga, passa mal, imagina coisas, dorme, sonha. Tudo que é bem típico de uma criança quando fica confinada em um espaço pequeno. Sem falar que esses pensamentos conseguem ser bem executados, transitando entre a infantilidade e alguns comentários mais maduros.

Já sobre a edição em si, pouco precisa ser dito. Como é um livro da Cosac Naify, já temos um alto padrão de qualidade envolvido. A capa é bem mais que a da edição em espanhol, o livro é pequeninho (tem só 17cm de altura por 12cm de largura), fonte grande e espaçamento idem. A grande surpresa do livro, que o deixa mais fofinho do que ele já é, são as cores das páginas, feitas em um azul clarinho que lembra muito a camisa da seleção uruguaia.

No fim, uma surpresa agradável condensada em poucas páginas. Um digno regresso à infância, escrito de uma forma simples e bonita. Já quero mais autores uruguaios na minha estante.

Um, dois e já (Prontos, listos, ya)
Inés Bortagaray
Cosac Naify, 2014 (publicado originalmente em 2010)
93 páginas
Tradução: Miguel Del Castillo

P.S.: Não faço questão de parcerias entre editoras e meu blog, até porque gosto de escolher o que vou comprar e ler. A única que me faria abrir as portas na hora é a Cosac Naify. Cara, como os livros deles são lindos!