Tormento
John Boyne
Publicado em 2009
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Depois de ler O menino do pijama listrado, Noah foge de casa e A coisa terrível que aconteceu com Barnaby Brocket, coloquei na cabeça que quero ler todos os livros do John Boyne. Loucura, eu sei, mas a forma como ele escreve me encantou tanto que agora não quero perder nada que ele já publicou ou ainda vai publicar. Virei putinha do cara, admito.
Dono de oito romances adultos e quatro infanto-juvenis, John Boyne escreveu, também, duas novelas. Lançada em 2009, Tormento é uma delas. Para quem não sabe, novela é, a grosso modo, um texto maior que um conto e menor que um romance. Ou seja, os personagens e o enredo são mais desenvolvidos do que em um conto e menos trabalhados que em um romance.
Tormento conta a história de Danny Delaney, um garoto de 12 anos que só quer aproveitar as férias de verão para andar de bicicleta e jogar bola com o vizinho, Luke. Porém, um dia sua mãe demora a chegar em casa e o menino e o pai começam a desconfiar que algo aconteceu. Quando ela volta, está escoltada pela polícia. Segundo os oficiais, a sra. Delaney atropelou acidentalmente um menino chamado Andy, que agora está em coma. É então que o inferno na vida de todos começa.
Como o livro é narrado em primeira pessoa, temos apenas a visão do Danny a respeito do que acontece. Pelos olhos do menino, vemos uma mãe preocupada, que chora a toda hora e deixa o mundo inteiro de lado por esse sentimento de culpa (mesmo que todos digam que ela não foi a responsável). O pai, por sua vez, tenta resolver os problemas e também deixa Danny de lado, sem dar explicações para o garoto sobre o que está acontecendo. E nem com o irmão mais velho, Pete, o menino pode contar, pois ele se mudou de país para fazer faculdade e, quando o acidente aconteceu, estava viajando pela Europa com amigos.
Porém engana-se quem pensa que essa narração em primeira pessoa limita o livro. A partir dela, sabemos o que se passa na vida dos outros personagens. Aliás, esse é um dos grandes trunfos do livro, pois todos possuem um pequeno arco narrativo resolvido nas poucas páginas da obra. Claro que nenhum deles é aprofundado, pois estamos vendo pela ótica do Danny, mas vemos de relance (como se fossem apenas detalhes na trama principal) a confusão na cabeça da mãe e do pai, os problemas que o amigo Luke passa em casa e os motivos para o irmão estar tão longe.
A história ainda ganha novas camadas quando Danny conhece Sarah, a irmã do garoto atropelado. É graças a ela que vemos o outro lado do acidente, pois a menina guarda um grande segredo que é capaz de mudar como as duas famílias se sentem com relação ao ocorrido. Ela e Danny formam uma improvável amizade, que é interrompida bruscamente pelos pais dos dois garotos.
Aliás, me esqueci de falar, mas este é mais um trabalho do John Boyne com uma criança no papel principal e, mais uma vez, vemos toda a inocência e ingenuidade que rondam essa idade. Porém, ao contrário do que acontece em Noah e em Barnaby, tudo acontece dentro dos limites da realidade. Isso faz com que os dramas soem mais pesados, os sentimentos sejam mais próximos da gente. E por se tratar de uma criança, tudo soa ampliado pelo simples fato dele aumentar todo o sofrimento na própria cabeça.
A isso soma-se o fato dele sempre ser deixado de lado. Seja pela mãe (que não consegue olhar para ele sem se lembrar do garoto atropelado), pelo pai (que subestima o garoto e não explica o que está acontecendo, agindo agressivamente e deixando-o muito tempo com os vizinhos) ou pelo irmão (que sempre foi o suporte emocional, mas está geograficamente longe). Danny não tem ninguém a quem recorrer, exceto Sarah e, algumas vezes, o amigo Luke.
Os dois, porém, são responsáveis por uma “traição” e que, somada a tudo que já aconteceu com Danny, culmina no último ato da história. Ele remete bastante à Noah, porém com uma dose cavalar de realidade. E por mais estranhos que eles pareçam, conseguimos entender os motivos do garoto para agir daquela forma e sofremos junto com ele.
Tormento é um livro tocante, com uma mensagem bem clara para pais e filhos. Além disso é curto, perfeito para ler em algumas horinhas. A forma como o John Boyne escreve é muito envolvente e, em poucas páginas, você já se vê dentro da história e se importa com o destino dos personagens, coisa muito difícil em um trabalho tão curto.
É o selo John Boyne de qualidade que fala mais alto.
Quick reads
Há um motivo para que Tormento seja um livro tão curto. Ele faz parte de um projeto chamado Quick Reads, que existe desde 2006. Segundo o site, um em cada seis britânicos em idade economicamente ativa acha que ler é difícil e talvez nunca pegue em um livro. Os motivos para isso são vários, mas geralmente são baseados no medo. As pessoas dizem que os livros assustam, não são para elas e são difíceis ou chatos.
O Quick Reads quer quebrar esse preconceito, mostrando que o ato da leitura pode ser para qualquer um. Todos os anos eles trazem grandes autores para escrever histórias curtas e de fácil leitura. Tormento foi o livro que John Boyne escreveu para esse projeto e, por tudo que falei aqui em cima, podemos ver que ele cumpriu a ideia de fazer algo tão bom quanto um livro maior, porém bem mais curto e fácil de ler.
Desde sua fundação, o Quick Reads já distribuiu mais de 4,5 milhões de livros, contabilizou 3 milhões de empréstimos em bibliotecas e chegou até centenas de milhares de novos leitores para mostrar os benefícios e prazeres da leitura. Realmente uma iniciativa bem legal que acho que seria muito bem aceita no Brasil.
Tormento (The dare, no original)
John Boyne
Seguinte, 2014 (originalmente em 2009)
81 páginas
Tradução: Carlos Alberto Bárbaro
P.S.: Tenho que elogiar a edição da Seguinte. Apesar da tradução do título não ser literal, ficou bem condizente com a história. A capa é bonita e o trabalho de diagramação é bem feito, com fontes adequadas e bom espaçamento. Um trabalho cuidadoso que a Companhia das Letras tem com todos os livros do John Boyne e faz a diferença.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.