A maldição

Stephen King
Publicado em 1984
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Você acredita em maldições?

Bill Halleck não acreditava. Ele era um advogado bem sucedido e tinha uma vida tranquila ao lado da esposa Heidi e da filha Linda. A única coisa fora dos eixos era o peso, mas isso não o incomodava. Até o dia em que, voltando para casa ao lado da mulher, atropelou e matou uma cigana que acampava na cidade. Bill foi inocentado pelo juiz, um amigo de longa data, mas acabou se encontrando com um cigano muito velho que sussurrou as palavras “Mais magro”, tocou em seu rosto e foi embora. A partir daquele momento, Bill começou a perder peso rapidamente, sem explicações científicas para o fato.

Em resumo, essa é a história de A maldição, último livro escrito por Richard Bachman antes de descobrirem que ele não existia de fato. Para quem não conhece o caso, cabe uma breve explicação. No final dos anos 70, Stephen King estava produzindo histórias demais. Para não sobrecarregar a marca “King” e publicar mais de um livro por ano, ele convenceu a editora a deixá-lo lançar o material extra sob um pseudônimo. Assim surgiu Richard Bachman, que só foi descoberto em 1985, um ano após o lançamento de A maldição, por um livreiro de Washington.

Apesar de ter sido escrito como Bachman, o livro tem muito daquilo que consagrou o próprio King. O elemento principal da história é o medo e a incerteza. Combinando os dois, o autor conseguiu atingir doses cavalares de terror psicológico. A tensão está presente do início ao fim, travando uma corrida contra os ponteiros da balança. Essa sensação é acentuada pelos títulos dos capítulos, que mostram o peso de Bill diminuindo à medida que o tempo passa.

Como vocês podem imaginar, a história se passa em um curto período de tempo. Isso faz com que o desenvolvimento da ação seja muito rápido. Há coisas acontecendo a todo instante, pois cada dia é precioso para Bill. E King consegue inserir muita coisa em um pequeno espaço de tempo, seja pelos personagens secundários ou pelos desdobramentos da maldição na vida dos envolvidos com o acidente.

A minha sensação, porém, é que o livro poderia ter sido escrito em menos páginas. Se fosse um conto, no estilo dos já existentes em Quatro Estações, seria um tamanho ideal. Em determinados momentos, a narrativa agarra em descrições e passagens que, se suprimidas, não fariam diferença. O surpreendente final – que eu gostei bastante, aliás – tem muito mais característica de um conto do que de um livro. É uma resolução tensa e abrupta, que seria perfeita para algo menor.

Apesar disso, o livro traz discussões muito interessantes acerca da culpa e da justiça. Bill dirigia o carro, mas ele insiste em não assumir a responsabilidade completa pelo acidente. Como no momento do atropelamento ele recebia uma punheta da mulher, estava distraído. E ela nunca assumiu parte da culpa, jogando tudo em cima dele. Também há a questão da cigana, que surgiu do meio de dois carros, sem olhar antes de atravessar e fora da faixa de pedestres. Isso sem falar na família da cigana, que deixou uma velhinha sair sozinha pelas ruas. Bill não considera justo ele ter sido amaldiçoado sendo que não só ele tinha culpa na história.

É aí que entra uma conversa entre o advogado e um ex-policial da cidade, que explica a motivação do cigano que o amaldiçoou. Pensa em um povo que foi subjugado durante toda a sua existência. Que é expulso por gerações e gerações por uma polícia que não os respeita. Que é agredido pela população local. Que nunca tem seus direitos respeitados. Então vem um advogado branco e gordo e atropela uma do grupo. Quando eles pensam que a justiça vai finalmente dar razão a eles, o juiz vai e absolve o assassino. É motivo para se indignar e, por isso, fazer justiça com as próprias mãos se torna uma opção. Uma espécie de “indenização por toda uma vida de merda”.

Pela forma como é escrito, pela tensão e pelo desfecho, A maldição é um King puro, mesmo lançado sob um pseudônimo. Merece o lugar na estante junto com os outros.

A maldição (Thinner)
Stephen King
Suma das Letras, 2012 (publicado em 1984)
287 páginas
Tradução: Louisa Ibañez
ISBN: 978-85-8105-049-2

P.S.: O King tentou tanto fugir da associação entre ele e Bachman que, em A maldição, há uma foto do autor fictício, dedicatória para a esposa falsa e citação do próprio King dentro do livro. Tudo para disfarçar, pena que foram mais espertos que ele.