Lobos de Calla

Stephen King
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Terminei de ler o quarto volume da série da Torre Negra há cerca de cinco anos. Foi o primeiro e único livro, até hoje, que virei a noite lendo e nem percebi. Comecei a ler às sete da noite e, quando reparei, já eram cinco da manhã e o livro estava acabando. Não precisa nem falar que Mago e Vidro se tornou instantaneamente um dos meus livros preferidos da vida.

Foi então que o ka me afastou da busca pela Torre e me fez ficar longe do ka-tet de Roland Deschain por cinco anos. Foi só na última semana que peguei Lobos de Calla para ler. E sabia que a missão dele era muito difícil: superar ou pelo menos igualar a qualidade de Mago e Vidro.

Ele não consegue esse feito, mas nem por isso é um livro ruim. Longe disso. Antes de detalhar os porquês, vamos ao tradicional resuminho da história. Calla Bryn Sturgis é uma cidadezinha pacata, mas com uma peculiaridade: ter filhos gêmeos é uma coisa normal. O problema é que a cada geração, uma orda de “lobos” ataca a cidade e leva um de cada par de gêmeos, que voltam roonts (uma espécie de doença que os deixa abobalhados, gigantes e que os fazem morrer cedo). Procurando se livrar dessa ameaça, os moradores de Calla encontram os pistoleiros, que seguiam o Caminho do Feixe de Luz, e pedem ajuda. Paralelo a isso, em Nova York, a “Rosa” (manifestação da Torre Negra em nosso mundo) está em perigo. O livro conta como Roland e seu ka-tet tentam resolver os dois problemas e as consequências que isso causará.

Em resumo é isso aí. O livro tem 741 páginas, então não reclama do resumo gigante. Ele não é nem um décimo do que o livro conta. Mas o tamanho nem é o maior problema. Desde o início ele soa como uma história paralela à caça da Torre Negra. À medida em que Roland se afasta do Caminho do Feixe de Luz, mais parece que a história se afasta da busca que guia a série. Várias das histórias contadas poderiam simplesmente ser resumidas. Ou até mesmo não aparecerem.

Porém esse é um livro para quem já acompanha a saga dos pistoleiros, então esse problema acaba se tornando pequeno diante do material que o leitor tem em mãos.

Lobos de Calla ou Doutor Destino com sabres de luz?

O subtítulo do livro é RESISTÊNCIA e não teria palavra melhor para descrever o que se passa em Calla. Depois de décadas aceitando passivamente que os lobos levem as crianças, a cidade pela primeira vez decide se rebelar. É também a resistência de Susannah, que precisa lidar com a gravidez de um demônio e o surgimento de outra personalidade dentro dela (como se já não bastasse ser dividida entre Detta/Odetta).

É impressionante o quanto os personagens apresentam um crescimento neste livro. Se em Mago e Vidro a história do passado de Roland era o que fez o livro ser tão foda, nesse livro arrisco a dizer que ele quase é um dos coadjuvantes.

Quem rouba a cena é o resto do ka-tet. Eddie Dean se mostra um pistoleiro completo e, quando Roland pensa que vai sucumbir, é em Eddie que ele pensa para liderar a busca pela Torre. Susannah precisa lidar com a gravidez do demônio e com a nova personalidade, sempre lutando para não prejudicar o grupo. O garoto Jake tem, depois de muito tempo, a chance de ser criança novamente, mas ao mesmo tempo mostra o amadurecimento de um pistoleiro, sendo fundamental para a história.

Além dos já tradicionais membros, o padre Callahan também passa a integrar o ka-tet dos pistoleiros. Personagem do livro A Hora do Vampiro, do próprio King, Callahan também é da Nova York de onde vieram Eddie, Susannah e Jake. O problema do personagem é que, para quem não leu A Hora do Vampiro (e me incluo nesse grupo), muita coisa ficou como não dita. De modo algum isso chega a prejudicar a história de Lobos de Calla, porém tenho certeza que teria entendido muito mais se já tivesse lido a obra antes.

Mas os seis (se contarmos o trapalhão Oi como membro do ka-tet) também enfrentam um problema maior do que a ameaça dos lobos. Em certo momento, Jake confronta Roland e diz que o ka-tet estava quebrado. Segredos que não podiam ser ditos a todos, planos que não podiam ser completamente contados, relações estremecidas. É nesse momento que o livro deixa de falar sobre a batalha futura e se foca em um ponto que creio ser importantíssimo para as continuações: a confiança.

Para o ka-tet estar em sua mais perfeita ordem, é preciso que os pistoleiros confiem no outro a sua vida. A partir do momento que essa ligação se quebra, eles não podem mais confiar um no outro. Como proceder com isso em uma batalha? É impossível. Por isso um dos grandes desafios do livro é mostrar como os personagens se desenvolveram como pistoleiros e como eles podem tentar superar esses problemas.

Por falar na batalha, vamos detalhá-la melhor. “Senhor, nosso negócio é chumbo” é uma frase dita por Steve McQueen em Sete Homens e um Destino e é uma das epígrafes de Lobos de Calla. Na nota do autor, King ainda agradece a Sergio Leone. Essas referências ao gênero faroeste não são gratuitas. A última das três partes do livro bebe diretamente desta fonte e faz com que o clímax seja algo de tirar o fôlego. Afinal, de acordo com Roland, “é muito tempo de preparação para cinco minutos de tiroteio”. E esses cinco minutos ficaram espetaculares nas mãos do King.

Obviamente não vou dar detalhes do final, mas ele é tão empolgante que precisei desesperadamente pegar Canção de Susannah pra ler. Afinal, a “Torre está quase perto o bastante para a tocarmos” e espero que o sexto livro avance bastante nessa procura.

Lobos de Calla
Stephen King
Editora Objetiva, 2006
741 páginas