Jogos Vorazes
Suzanne Collins
Publicado em 2008
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Sempre que escrevo uma crítica, a primeira coisa que faço é enumerar o que considero essencial falar sobre o livro. Tô avisando isso porque a lista de Jogos Vorazes tem 13 itens, mais do que qualquer outro livro que já tenha escrito aqui. Então se preparem para um texto muito grande.
Comecei a ler ontem, por volta das 22h e terminei agora pouco, por volta das 15h. Uma leitura rápida para as quase 400 páginas, o que deixa claro duas coisas: curti muito a história e a narração é bem fluida. Antes de começar a falar porque gostei tanto, vamos ao tradicional resumo do livro.
Em um mundo que seguiu adiante (como diria Roland Deschain), uma série de fatores destruiu a América do Norte e, no lugar, surgiu uma nova nação chamada Panem (de Panem et circenses, saca?). Quem governa tudo é a Capital, distrito desenvolvido e muito rico. Ela é rodeada por outros 12 distritos, responsáveis por abastecê-la. Cerca de 74 anos antes da história contada no livro, os distritos, insatisfeitos com essa situação, se rebelaram. Para lembrar a vitória da Capital e mostrar a todos os distritos que eles devem se subjugar a ela, anualmente são organizados os jogos vorazes. Dois jovens de cada distrito são sorteados como tributos e levados a uma arena para combaterem até a morte. Quem vencer leva benefícios para seu distrito durante um ano inteiro.
O primeiro livro da trilogia de Suzanne Collins conta como foi a 74ª edição dos Jogos Vorazes, pela voz de uma das participantes: Katniss Everdeen, uma menina de 16 anos do distrito mais pobre de todos, o 12. Os jogos que dão título ao livro são apenas o pano de fundo para uma história maior. Vários pequenos trechos dão indicativos do quão grandiosa essa história pode se tornar caso sejam bem explorados nos próximos livros, a começar com os distritos e a rebelião que originou os jogos.
Todos os distritos, sem exceção, são subjugados pela Capital. Isso é mais evidente nos mais pobres, mas todos precisam lutar pela sobrevivência de alguma forma. É pelos pensamentos de Katniss que percebemos o medo que a população tem da Capital. Mesmo os odiando, eles não têm escolha contra um adversário tão poderoso.
Em uma conversa entre Katniss e Rue, a menina-tributo do distrito 11, dá pra perceber claramente que isso acontece também nos outros distritos, até pior que no 12. Quando ela conta que eles não podem comer o alimento que plantam sob pena de morte, é claro que a população de Panem vive em um estado constante de medo.
É por isso que a motivação dos personagens são muito realistas. Em um cenário de desolação total, eles enxergam os jogos como mais um esquema feito pela Capital para mantê-los desunidos, para lutarem entre si. Quando Katniss tem problemas em matar outra pessoa, mais dos que suas próprias convicções, ela está indo contra a Capital. O final do livro, inclusive, é a prova mais clara disso.
Apesar de considerar esses pontos como o principal do livro, nada é tratado de forma tão direta em Jogos Vorazes. O foco aqui são os próprios jogos e é sobre eles que vou falar agora.
Os jogos vorazes são o grande evento da Capital. Tratado como um mega reality show, seu objetivo é manter os distritos sob rédea curta e entreter a população. Os 24 tributos possuem mentores, que são pessoas dos seus próprios distritos que já venceram alguma vez os jogos. Esses mentores são responsáveis por aconselhar os jovens e direcioná-los para a vitória. Como eles saíram vencedores em alguma edição, sabem como funcionam os jogos e o que é necessário para conquistar o público e sobreviver dentro da arena.
Aliás, o clima romano é bem presente no livro. Os tributos se assemelham aos gladiadores, o país se chama Panem e os jogos são o et circenses. Até mesmo alguns personagens têm nomes que parecem romanos, tipo Caesar e Claudius. Mas, enfim, tô divagando.
A urgência de um jogo mortal transformado em reality reflete diretamente na forma narrativa do livro, que possui um tom de urgência claro. O estilo de escrita da Suzana Collins, pelo menos nesse primeiro livro, lembra muito um estilo de escrita cinematográfico. Todas as cenas durante os jogos são grandiosas e têm um significado maior. Por se tratar da descrição de um reality show, essa linguagem se torna muito apropriada, pois dá o tom que os produtores esperariam do programa.
Por isso, além de lutar pela sobrevivência, os jogadores precisam se preocupar o tempo inteiro com a imagem, como ela está sendo passada para o público. Como o livro é narrado por Katniss, é possível perceber a todo momento os pequenos gestos que ela faz para agradar as pessoas. Ela tem plena consciência que suas atitudes, até mais do que suas habilidades, estão sendo julgadas. Com isso, cada gesto é medido, calculado.
É nessa hora que eu preciso destacar a força da protagonista. Katniss é um personagem humano ao extremo. Todo mundo que está nos jogos quer sobreviver e, para isso, é preciso matar outras pessoas. Menos ela. Além disso, ela se vê envolvida em um romance com Petta Mellark, o outro tributo do distrito 12. Arquitetado para gerar mais simpatia com o público e com os patrocinadores, o romance é só mais um artifício usado por Katniss, mesmo que o garoto se envolva realmente. Esses dois fatos somados dão um nó na cabeça da menina, que quer a todo custo sobreviver, mas não quer se ver como uma peça dentro da estrutura armada pela Capital. A última atitude dela dentro da arena é a prova mais clara disso e seu impacto só será sentido nos próximos livros, que espero que o trabalhem em detalhes.
Só que essa proximidade extrema com Katniss traz um dos grandes problemas do livro, na minha opinião. Tudo que vemos e sabemos é por ela, que está narrando a história. Porém, como tentei deixar claro ao longo desse texto, o contexto por trás dos jogos é muito maior e até mais interessante do que eles.
Em vários momentos parei e pensei: “O que será que está acontecendo do outro lado?”. E em vez de isso me causar uma sensação boa, de que eu poderia usar a imaginação, isso me soou como um problema. Se estivéssemos falando de um livro com um universo consolidado, em que conhecêssemos o outro lado, isso seria tranquilo.
Mas em Jogos Vorazes isso não acontece. No filme, por exemplo, as cenas durante os jogos são intercaladas por momentos fora deles, mostrando a repercussão de cada ação dos personagens, tanto no público quanto nos organizadores. Isso é um diferencial tremendo pra narrativa, que só ganha mostrando e ampliando o nosso conhecimento a respeito do funcionamento daquele mundo.
Enfim, apesar disso, o livro é muito bom e tô ansioso pra começar a ler Em Chamas. Não sei absolutamente nada da história (ao contrário de Jogos Vorazes, que já tinha visto o filme), então cada página vai ser uma surpresa. As expectativas estão altas, então vamos a ele.
Jogos Vorazes
Suzanne Collins
Editora Rocco, 2008
Tradução: Alexandre D’Elia
397 páginas
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.