A estrada da noite
Joe Hill
Publicado em 2007
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Preciso confessar uma coisa antes de começar esta crítica: tenho muito medo de histórias de fantasmas. É um medo sem explicação, já que minha parte racional sabe que eles não existem e que tudo não passa de invenção. O problema é a parte irracional, que parece ser mais forte e sempre me faz ter medo de ir beber água no escuro à noite. Por causa desse medo bobo é que tive que pensar duas vezes antes de ler A estrada da noite, de Joe Hill.
O livro conta a história de Judas Coyne, um astro de rock cinquentão, egocêntrico e autodestrutivo que vive sua quase aposentadoria. Sem uma banda para poder cair na estrada, sobrevive de sucessos do passado e cultiva gostos excêntricos. Um deles é colecionar garotas de estilo gótico que ele só chama pelo nome do estado de origem – a que vive atualmente com ele é a Geórgia. Outra excentricidade é a coleção de objetos “macabros”, como um livro de receitas canibal e uma fita real de assassinato. Por causa desse gosto e buscando visibilidade na mídia e com os fãs, ele não pensa duas vezes em arremata o leilão do paletó de um fantasma.
Quando o objeto supostamente possuído chega a sua casa, Judas e Geórgia começam a ser perseguidos pelo espírito de Craddock McDermott. Não vou contar o que acontece depois pois é nesse desenvolvimento que o livro do Joe Hill mostra a que veio.
O autor, a propósito, é o segundo filho de Stephen King e o primeiro deles a seguir a carreira de escritor (a primogênita, Naomi King, é a única da família a não se dar bem com as letras. O mais novo, Owen King, também é escritor). Além disso, Joe é fisicamente idêntico ao pai, mas prometo que essa será a primeira e última comparação que farei entre os dois.
Graças a tudo que falei vocês já devem ter percebido que este é um livro de suspense/terror. Aliás, diria que é mais de suspense do que de terror, já que não levamos grandes sustos ao longo da história, mas sofremos a angústia de não saber qual será a próxima ação do fantasma. E se falei lá em cima que tenho medo de fantasmas, este tem uma grande motivação por trás de suas ações, o que dá outro significado para a perseguição ao rockstar e me deixa com menos medo.
Escrito em capítulos curtos que não deixam a ação de lado por nenhum momento, o livro é beneficiado por uma linguagem simples e direta, o que agiliza ainda mais a leitura. Por conta disso, não há enrolação. Os problemas são criados e resolvidos, as cenas acontecem de uma só vez e terminam rápido. Mas, apesar de dinâmico, a ação não é bem executada, tem desfechos bem óbvios e, em alguns casos, covardes. Calma, eu explico.
Para mostrar o primeiro ponto, trago à tona os cachorros de Judas: Bonnie (em homenagem a Bonnie Tyler) e Angus (referência a Angus Young). Quando os dois se encontram com o fantasma pela primeira vez, há uma briga intensa que mostra como os cachorros são mais fortes que o espírito – e há uma explicação interessante sobre isso, inclusive. Por causa desse primeiro embate, sabemos que a qualquer momento os animais precisarão ser eliminados, pois, caso eles permaneçam presentes, não é possível ocorrer um confronto final. É um desfecho muito previsível e a forma como ele é executado é bem simplista.
O problema maior, porém, está no desfecho da história. Ele desaponta por, além de ser previsível (o que também exemplifica o ponto anterior), ser covarde ao não seguir as regras normais da vida. [SPOILER]: Ao fazer um final feliz, no qual tanto Judas quanto Geórgia, esta com um corte na garganta, saem com vida do confronto final, Joe Hill foi pelo caminho mais fácil. Curou milagrosamente os personagens e ainda apresentou uma redenção que não está de acordo com a personalidade de nenhum dos dois. [/SPOILER]
Mas, apesar de tudo que levantei, A estrada da noite é um bom exemplar de suspense/terror. É uma competente estreia de Joe Hill, que causa apreensão nos momentos certos e te deixa curioso para descobrir como aquela história vai terminar. O segundo livro dele, O Pacto, já está na minha estante e estou doido pra ler.
A estrada da noite (Heart-Shaped Box, no original)
Joe Hill
Editora Arqueiro, 2007
254 páginas
Tradução: Mário Molina
P.S.: Sobre a edição da Arqueiro, tenho poucas observações. A primeira delas é com relação ao título. Vocês perceberam que o título em inglês é algo como “Caixa no formato de coração” (título que a obra recebeu em Portugal, inclusive). No livro ele faz sentido – além de fazer referência a uma música do Nirvana. A estrada da noite acaba sendo mais sombrio e também faz referência à história, por isso não achei tão ruim (não sei se as várias referências à tal estrada da noite estão presentes no livro em inglês ou se forçaram na tradução. Prefiro acreditar na primeira opção).
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.