Daytripper

Fábio Moon e Gabriel Bá
Publicada entre 2009 e 2010
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“As pessoas morrem todos os dias. Este foi o pensamento mais reconfortante que Brás teve enquanto todos os obituários que escrevera para o jornal passavam diante de seus olhos. Ele acabou de perceber que, mesmo quando não está mais escrevendo sobre isso, as pessoas vão continuar morrendo.”

Quando terminei de ler Daytripper, nada mais do que acontecia ao meu redor tinha importância. Estava no ônibus, indo para o trabalho, e de repente o mundo parou e me vi pensando na vida, na morte e nas pessoas que me cercam. Olhar perdido pela janela, sem me importar muito com a paisagem. Perdi até o ponto em que ia descer.

Daytripper tem esse poder. É uma obra forte, sensível, poética, envolvente, sincera e bonita – tanto visualmente quanto em seu significado. É uma história em quadrinhos que fala sobre a morte, mas também fala sobre a vida e o que construímos nesse mundo.

Escrita pelos gêmeos paulistas Fábio Moon e Gabriel Bá, Daytripper foi lançada primeiro nos Estados Unidos, entre 2009 e 2010, pelo selo Vertigo. Vencedora de vários prêmios internacionais e cheia de elogios da crítica na bagagem, chegou ao Brasil um ano depois, pela Vertigo/Panini Books.

A HQ conta as várias histórias das várias vidas de Brás de Oliva Domingos, que é o responsável pela seção de obituários de um jornal. Ou pelo menos o é no primeiro volume, já que a cada novo capítulo temos um recorte diferente na vida de Brás, que mostra algo importante que aconteceu durante aquele período. Acompanhamos o personagem do nascimento até a velhice, sendo cúmplices de seus medos, devaneios e certezas. E, em todo final de capítulo, ele morre.

Sim, ele morre. Pensei muito se deveria dar esse “spoiler” na crítica, mas sem ele ia ser impossível continuar. Na primeira vez que isso acontece você fica chocado, pois é um recurso narrativo muito arriscado. Mas depois que você entende o motivo disso acontecer, a HQ adquire novas camadas de profundidade e vira algo de outro mundo de tão boa.

Brás sempre morre quando algo importante acontece em sua vida. Seja encontrar a mulher amada, encontrar a segunda mulher amada, ter um filho, compreender o sentido da vida, ganhar o primeiro beijo. Ele sempre morre depois disso. Aliás, o nome dele não é Brás à toa, pois faz referência a Brás Cubas, aquele das memórias póstumas (mesmo tendo uma cara de Chico Buarque).

“É isso. A vida, quero dizer. A morte nos dá uma outra perspectiva de vida e de tudo mais. Tudo mais parece menor e tolo.”

É por causa dessas mortes constantes que nos colocamos a pensar sobre a vida. A HQ levanta vários questionamentos sobre a vida e a morte e não propõe respostas para eles. São várias perguntas e vários momentos de silêncio que nos permitem pensar junto com o personagem se o caminho que ele (e que nós) está seguindo é realmente o certo. Se ele (ou nós) está aproveitando a vida em sua plenitude.

O capítulo/volume que mais marcou foi um em que o Brás não aparece. É o único, inclusive. Nele vemos tudo pelos olhos da Ana, a esposa, que tem que lidar com a ausência do marido que está em turnê com o livro novo. Apesar de não estar lá, ele está sempre presente, seja em recados, emails ou cartas. Percebemos o quanto os dois se amam, o quanto a vida não é fácil daquele jeito. Mas eles se acertam como podem. Então quando ela recebe a notícia da morte, sentimos todo o baque que não é mostrado em nenhum outro capítulo. Vemos o luto, o nó na garganta, o choro. E não menos belos são os quadros que mostram os espaços da casa vazios, sem a presença sempre marcante dele.

Isso sem falar que a história se passa no Brasil e os cenários são lindíssimos, principalmente a Bahia. O desenho dos gêmeos é carregado de uma sensualidade, o olhar do Brás é triste, mas ao mesmo tempo demostra uma esperança latente. Um charme à la Chico Buarque, que encanta. Além de utilizar acontecimentos reais (como o acidente com o avião da Tam, em São Paulo), o que torna a história bem próxima da nossa realidade, mais crível e mais apaixonante.

“É apenas quando você aceita que vai morrer que consegue realmente se libertar e aproveitar a vida ao máximo. Este é o segredo. Este é o milagre.”

Há uma hora certa para morrer? E se você morresse agora? Morreria em paz? Como seria a reação das pessoas que têm relações com você? O que de importante entraria em seu obituário? Muitas perguntas e nenhuma resposta concreta. Me fiz todas elas durante e depois da leitura de Daytripper e pensei bastante em todas as respostas. E apesar de não ter chegado em lugar nenhum com isso, foi bom. Porque, como eu disse, esse livro fala sobre a vida. E é bem difícil tentar explicar a vida.

Daytripper
Fábio Moon e Gabriel Bá
Panini Books, 2011 (publicado originalmente entre 2009 e 2010)
250 páginas
Tradução: Érico Assis

P.S.: Nunca é demais falar que Daytripper é vencedora de dois Eisner Awards, que é considerado o Oscar dos quadrinhos. Um deles foi direto para os gêmeos, na categoria “Melhor minissérie ou arco de histórias” e o outro foi para o colorista da HQ, Dave Stewart.

P.S.2: Os gêmeos foram bem atenciosos e simpáticos durante o FIQ que encontrei com eles. Ter a minha edição autografada é uma honra pra mim!