Esta crítica possui spoilers pesados
A culpa é das estrela
John Green
Publicado em 2012
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Há 90 semanas consecutivas na lista de mais vendidos da Veja, A culpa é das estrelas é o grande fenômeno literário dos últimos dois anos. Responsável por colocar John Green entre os mais famosos escritores contemporâneos para jovens adultos, o livro é daqueles que possuem defensores e odiadores ferrenhos. Como sou desses que adora ler um best seller só pra ver ti colé qui é, lá fui para a leitura.
Se mesmo em meio a esse burburinho todo você ainda conseguiu passar longe da sinopse de A culpa é das estrelas, vamos a ela. Hazel Grace é uma adolescente de 16 anos diagnosticada, aos 13, com um câncer terminal na tireoide. A doença migrou para os pulmões e a garota precisa carregar um cilindro de oxigênio para todos os lados.
O livro começa com ela deprimida, sendo obrigada pelos pais a procurar suporte em um grupo de apoio a adolescentes vítimas do câncer. Lá ela conhece Augustus Waters (ou Gus), um jovem sobrevivente do osteossarcoma – uma espécie de câncer nos ossos – e que imediatamente chama sua atenção. O resto da história segue o clima de romance que todos esperamos. Ou que mais ou menos esperamos, já que os dois têm/tiveram câncer.
Antes de começar, precisamos nivelar nossas expectativas com relação ao livro e à crítica. John Green é um escritor de livros para jovens adultos e só por essa afirmação já podemos pegar tudo que conhecemos sobre o gênero e encaixar neste livro. Há romance, há dramas adolescentes, há camaradagem. E uma pitada de câncer, não podemos esquecer. Ele não é destinado ao Bruno de 25 anos que escreve esta crítica, é para o Bruno de 10 anos atrás e que tinha outras preocupações com a vida. Dito isso, podemos continuar.
John Green possui um estilo muito característico para seus personagens. Se pararmos pra observar, a maioria deles é nerd, meio solitário e é engraçado ou possui um amigo engraçado. Acontece em Cidades de papel, em O teorema Katherine e tenho quase certeza que deve acontecer em Quem é você Alasca?, embora ainda não tenha lido. A culpa é das estrelas é o quarto livro escrito pelo autor e esse tipo de personagem está presente nele também, principalmente na figura de Gus e, em menor quantidade, em Hazel.
Sei que é um livro sobre câncer e é triste pra caralho, independente da circunstância, mas é esse bom humor que dá o grande diferencial do livro com relação a outros sobre doenças. Até porque, em muitos momentos, A culpa é das estrelas é bem triste. Só que, mesmo nesses momentos dramáticos, ele é leve. Mesmo quando um dos protagonistas está à beira da morte, eles encontram espaço para se divertir. Os personagens entendem qual a gravidade da doença e, em vez de ficar se lamentando e sofrendo, eles decidem viver. Encaram o câncer, que muitas pessoas se recusam até a chamar pelo nome, com bom humor. Essa é uma atitude louvável de ser colocada e com certeza pode ter inspirado muitas pessoas que passam pelo mesmo problema.
Para que esse efeito seja perceptível, John Green abusa dos artifícios para que gostemos dos personagens. Como eu disse, todos eles têm essa veia sarcástica que nos fazem rir junto com eles das desgraças. O Gus, por exemplo, fala com naturalidade da perna perdida e ainda solta a piada de que é uma boa maneira de perder peso. O amigo deles, Isaac, ficou cego mas não perdeu o senso de humor. Também contribui para isso a narração em primeira pessoa feita pela Hazel. Como ela acha o Gus incrível e se denigre o tempo inteiro, a imagem que recebemos dele é muito positiva. Até as metáforas que ele adora fazer são trabalhadas para que gostemos cada vez mais do personagem.
“Estou numa montanha russa que só vai pra cima”, “granada”, “cigarro sem precisar ser aceso”. Tudo ali.
Aliás, é aqui que vou começar a divagar um pouco: este não é um livro sobre a Hazel Grace, é sobre o Augustus. O arco narrativo começa quando Hazel conhece o Gus e termina quando o garoto morre. Nesse caminho, os outros personagens são quase irrelevantes, apenas compondo o cenário para a construção do romance dos dois. Nessa conta entram os pais da garota e até mesmo toda a história envolvendo Peter Van Houten (o escritor de Uma aflição imperial) e a viagem para Amsterdã. Tudo feito para o crescimento do romance dos dois.
“Então por que esse não é um livro sobre o romance dos dois?”, você pode me perguntar. É então que saco a primeira participação do Gus no livro, na qual ele fala que o maior medo dele é ser esquecido. Toda a história de A culpa é das estrelas representa os últimos momentos da vida do garoto e em como ele conseguiu não ser esquecido. Não foi do jeito grandioso que ele queria, mas ele termina o livro sendo lembrado. As últimas duas páginas, inclusive, são compostas basicamente por palavras dele. É a forma do personagem ser lembrado além da morte.
Junte isso tudo que falei com uma história interessante, o sentimentalismo implícito que envolve um câncer, um romance “impossível”, várias referências à cultura pop atual, personagens que quase não apresentam defeitos (até os pais são bem retratados e bondosos, ao contrário do que acontece com boa parte das obras adolescentes) e diversas frases de efeito distribuídas de forma pensada (e bem colocadas, por sinal) ao longo do livro e temos o grande sucesso comercial que é A culpa é das estrelas.
Você gostando ou não, é preciso reconhecer que o livro possui seus méritos e deméritos. Não é a obra mais perfeita do mundo, mas também não é uma perda de tempo e dinheiro. Afinal, ninguém passa tanto tempo na lista dos mais vendidos se não houver um motivo para isso. E se o John Green consegue falar com seu público de uma forma interessante e, de quebra, traz uma bonita história de amor, resta reconhecermos isso.
É um livro “okay”, um jovem adulto que está bem acima da média do que está no mercado atualmente.
A culpa é das estrelas (The fault in our stars)
John Green
Intrínseca, 2012 (publicado originalmente também em 2012)
283 páginas
Tradução: Renata Pettengill
P.S.: Não falei nada sobre sick lits nesta crítica porque achei que não cabia. O gênero até deu um pequeno boom por causa de A culpa é das estralas, mas foi rapidamente eclipsado pelo erótico para mamães de Cinquenta tons de cinza. Livros sobre doenças sempre existiram a continuarão a existir, então sigamos em frente.
P.S. 2: Também não falei nada sobre o final do livro ser incompleto igual o final de Uma aflição imperial porque não acho a discussão válida. A culpe é das estrelas tem seu fechamento e ele é satisfatório, mas acharia do caralho se o livro se encerrasse no meio de uma frase.
P.S. 3: O filme também foi deixado de lado, mas é uma adaptação muito fiel do material original. Fiel até demais, eu diria. Quem amou o livro pode ir sem medos e quem não leu o livro também pode ir com fé porque a história está toda lá.
Acabou. Pode tirar a perna mecânica e ir dormir.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.