A coisa terrível que aconteceu com Barnaby Brocket
John Boyne
Publicado em 2012
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“Mas, enfim, a questão é que, só porque sua versão de normal não é a mesma dos outros, não quer dizer que você tem algo de errado.”
Qual o seu conceito de normal?
Assim como os Dursley, em Harry Potter, a família Brocket se orgulhava de dizer que era perfeitamente normal, muito bem, obrigado. Alistair e Eleanor tinham empregos normais, dois filhos normais, um cachorro normal, uma casa normal e uma vida completamente normal. Isso até o nascimento do terceiro filho, Barnaby Brocket. Já no parto as coisas se mostraram diferentes. Pela primeira vez, Eleanor sentiu dores e, absurdo, teve que acordar a equipe médica à noite para atendê-la com urgência. Mas o pior ainda estava por vir: Barnaby foi parar no teto da sala de parto quando nasceu. Escândalo! O menino flutuava!
Quando o menino foi para casa, os pais se sentiram desconfortáveis com tal presença. Ele era uma afronta à normalidade e, por isso, ficava preso o tempo inteiro e mal via a luz do sol. Até para a escola os pais relutaram em enviá-lo. A situação continuou tensa até Barnaby completar oito anos e a tal Coisa Terrível do título se concretizar. Seus pais entraram em acordo e decidiram se livrar do menino, deixando-o livre para flutuar por aí.
É a partir daí que John Boyne começa a desenvolver melhor o grande tema do livro, a normalidade. O Boyne vocês devem conhecer por O menino do pijama listrado, mas ele é autor de mais outros três livros infantis (Barnaby Brocket incluso nessa conta) e oito adultos. Em seus livros infantis, o autor abusa da fantasia e da inocência para discutir temas espinhosos como o holocausto (Em Pijama), lealdade (Noah foge de casa) e agora o conceito de normalidade e preconceito.
Ao ser abandonado pelos pais, Barnaby percorre o mundo e encontra diversas pessoas que vão questionar a ideia de o que ser normal. Todos eles, em algum momento da vida, sofreram preconceito por não serem iguais àqueles que os julgavam. Começamos com um adorável casal formado por duas mulheres (e que vive no Brasil), um artista incompreendido pela família, um jornalista cheio de cicatrizes no rosto, uma trupe de “monstros” e astronautas que lutaram contra tudo e todos para irem para o espaço.
É a partir da história de cada um que refletimos sobre o quanto os conceitos de normalidade da nossa sociedade são estranhos. Não aceitamos aquilo que é diferente pelo simples fato de ser diferente. Nem melhor, nem pior. Só diferente. O próprio Barnaby não entende essa ideia, pois sendo uma criança que flutua, ele acha tudo a sua volta completamente normal. As pessoas não são estranhas por namorarem alguém do mesmo sexo ou por terem ganchos no lugar das mãos. Elas são só pessoas e essa é a grande lição que o livro deixa para os leitores mais novos.
“– Ela me mandou embora porque disse que eu não era normal.”
E John Boyne é muito feliz ao escrever para esse público. Todos os três livros dele que li foram voltados para essa faixa etária e, em cada um deles, o autor conseguiu fazer algo diferente e encantador. A linguagem é simples e prende o leitor graças ao humor e à simplicidade com que os personagens interagem e com que o narrador em terceira pessoa conduz tudo.
Há também uma pitada de fabulesco que ajuda no andamento da história, pois somos tirados do nosso lugar de conforto logo que o menino começa a voar e passamos a aceitar qualquer coisa que apareça. Em vez de questionar o porquê daquilo, deixamos passar e curtimos a história do jeito que ela é. Uma total suspensão da realidade que não precisa ser forçada.
Isso sem falar na edição da Companhia das Letrinhas, que é linda. Além da fonte ser roxo escura, o livro é repleto de ilustrações bem bonitas. Feitas pelo ilustrador e escritor australiano Oliver Jeffers, elas dão uma boa ideia do que Barnaby está passando ao longo de sua aventura. Há duas delas aí em cima e aqui embaixo está a ilustração do autor que vem na orelha do livro, todas muito bonitas.
Bom, já deu para perceber o quanto que curti o livro. É um que com certeza vou ler para o meus sobrinhos quando eles estiverem na idade certa e, pra mim, há poucos elogios maiores que esse para um livro infantil.
“– É porque elas são normais – disse ela. – Nós todos somos. A ideia que elas têm de normal, por acaso, é diferente das que outras pessoas têm. Mas esse é o mundo em que a gente vive. Algumas pessoas simplesmente não aceitam uma coisa que fuja da experiência que elas têm.”
A coisa terrível que aconteceu com Barnaby Brocket (The terrible thing that happened to Barnaby Brocket, no original)
John Boyne
Companhia das Letrinhas, 2013 (lançado originalmente em 2012)
254 páginas
Tradução: Érico Assis
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.