Cidades mortas
Monteiro Lobato
Publicado em 1919
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Antes que vocês falem, sei que esta já é a quinta resenha de Monteiro Lobato nos últimos meses. O motivo é simples: comprei dois boxes há cerca de um ano e só agora parei para ler. Ainda faltam oito livros e, se tudo der certo, devo ler todos até dezembro. Isso significa que ainda virá uma overdose de Lobato por aqui, mas tudo é válido quando o autor é bom.
Como já falei de duas obras adultas dele (Urupês e O macaco que se fez homem), não vou perder tempo analisando o próprio Lobato e a forma como ele escreve. A ironia fina continua presente, a crítica social e o humor também estão. Pouca coisa estrutural muda nesses três livros, então vou me concentrar apenas na obra em questão, que tem muito a dizer.
Cidades Mortas é composto por 25 contos, escritos em diferentes fases da vida de Monteiro Lobato. Eles retratam, cada um a sua maneira, a decadência das cidades do interior de São Paulo após o declínio das lavouras de café da região. Para ilustrar isso, Lobato escolhe Itaoca, uma cidade parada no tempo, chamada carinhosamente pelo autor de Oblivion (do inglês, esquecimento).
Logo nos dois primeiro contos, o autor dá o tom que irá percorrer todo o livro. Em Cidades Mortas (história que dá nome ao volume), ele retrata aquele cenário onde “tudo foi, nada é. Não se conjugam verbos no presente. Tudo é pretérito”. Mostra como os mais jovens saíram de lá em busca de uma vida melhor e que só restaram os velhos e as moças casadoiras, que não encontram maridos. Faz um retrato das pessoas que acreditam que a situação do café ainda vai melhorar, mesmo acumulando prejuízos ano após ano. No segundo, intitulado A vida em Oblivion, Lobato mostra como era patética a vida na cidade, que se contentava em ter apenas três livros que rodavam entre os moradores.
Entre pequenos causos, histórias mais sérias e reflexões, o autor traça um panorama completo não só da decadência de uma cidade, mas também da decadência de um povo. Contos como Um homem de consciência, Café! Café! ou Cabelos compridos mostram exatamente o tipo de pessoa que Lobato quer retratar. São, em sua grande maioria, caboclos chucros, que muitas vezes tentam se passar por inteligentes e letrados. Em comum, todos estão presos naquela terra onde nada acontece.
O conto O espião alemão é outro que pode ser usado para mostrar a alma do livro. Nele, os cidadãos de Itaoca formam um pequeno exército para se preparem para a Primeira Guerra Mundial. Tudo regado a muita pompa, com ares de que serão chamados pela nação para defender o país. Certo dia, um estrangeiro aparece deitado nas ruas da cidade. Eles, pensando se tratar de um alemão, tentam interrogá-lo. Como não conseguem entender nenhuma palavra dita pelo sujeito, o prendem, armam uma festa na cidade e o levam para a capital com a sensação de dever cumprido. O final, obviamente, não vou revelar. Mas tudo mostra como aquelas pessoas querem voltar aos tempos áureos, como elas querem se sentir importantes novamente. É o sinal mais claro da decadência de um povo.
Além disso, outra coisa legal é que os contos se interligam. Apesar de serem independentes, de vez em quando é possível identificar personagens que já apareceram em outras histórias. São apenas coadjuvantes de luxo que já conhecemos bem por outros relatos.
No fim, o livro é uma grande obra irônica sobre essas cidades perdidas no tempo. Não podemos esquecer que alguns contos têm mais de 100 anos, portanto a linguagem não é a mesma que estamos acostumados, mas mesmo assim o humor e o sarcasmo continuam afiados.
Cidades Mortas
Monteiro Lobato
Editora Globo, 2009 (publicado em 1919)
192 páginas
ISBN: 978-85-250-4625-3
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.