Com spoiler sobre o final do livro. Cuidado!

Cheio de charme

Marian Keyes
Publicado em 2008
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Quando falei aqui no blog sobre Um bestseller pra chamar de meu, disse que daria uma terceira chance para a Marian Keyes. Como por acaso do destino eu tinha outro livro dela na estante, resolvi tirar o peso da consciência e lê-lo. E, bom…

Antes de falar o que achei sobre ele, vamos para a sinopse. Cheio de charme conta a história de quatro mulheres que têm uma coisa em comum: todas tiveram algum tipo de relação com Paddy de Court. Ele tem 37 anos e o líder da bancada do Nova Irlanda, um partido fictício do país. Isso sem falar que ele é um moreno alto, bonito e sensual. E pelo jeito é a solução de todos os seus problemas, pois todas as mulheres se apaixonam instantaneamente por ele.

Lola Daly costumava sair com Paddy e realizar as mais bizarras fantasias sexuais, mas descobriu através da mídia que ele se casaria com outra. Essa outra é Alicia, mas pouca gente o que ela fez para enfim conquistar o charmoso de Court. Uma das conquistas de Paddy, ainda adolescente foi Marnie, que mesmo tendo hoje em dia uma vida aparentemente feliz, continua atormentada por fantasmas do passado. Quem tenta ajudá-la é sua irmã gêmea, Grace, uma jornalista que precisa lidar com os problemas no trabalho ao mesmo tempo em que sua família sofre um baque atrás do outro.

As histórias das quatro mulheres são escritas separadamente e desenvolvidas em sequência. Pode parecer estranho, mas vou explicar. As primeiras 120 páginas são sobre a Lola. Logo em seguida têm mais 120 páginas, só que dessa vez falando sobre a Grace. Este segundo capítulo começa mais ou menos no mesmo instante em que o primeiro acabou e, com isso, cria-se pequenos lapsos nas vidas das personagens que podem, ou não, ser preenchidos com algumas falas relembrando o que aconteceu.

Essa distinção entre os capítulos é marcada não só pela personagem que o vive, mas também por algumas diferenças de forma e até mesmo estéticas. Os capítulos da Lola são escritos em primeira pessoa e tratados como se fossem pequenos excertos de um diário, inclusive com indicação de dia e hora no início deles. Os de Grace também são em primeira pessoa, mas feitos de forma tradicional, assim como os da Alice – embora não sejam dedicadas nem 20 páginas para ela em todo o livro. Já os capítulos de Marnie são os únicos em terceira pessoa, até porque em muitas partes ela não teria condições de narrar a história. E a forma como os capítulos são narrados diz muito sobre as personagens.

Além disso, os capítulos também se diferenciam pela tipografia usada, passando pelas manuscritas (Lola e Alice) às serifadas padrão (Grace e Marnie, que compartilham a mesma fonte – por serem gêmeas? Fica a dúvida).

Sobre a escrita, Marian Keyes segue o mesmo tom utilizado em Um bestseller pra chamar de meu. Apesar das quase 800 páginas, é uma leitura muito leve, simples e direta. As personagens são palpáveis e você entende o que elas estão passando e o porquê delas agirem daquela forma. Embora eu tenha ficado com vontade de dar uns tapas na cara de algumas delas e mandar elas acordarem para a vida, no final do livro eu entendi o motivo delas serem daquele jeito.

Até porque o livro, no fim, fala sobre violência doméstica. Sim, em meio a tantos capítulos divertidos e leitura leve, o tema do livro é pesado. Apesar de não entender como mulheres conseguem apanhar de seu companheiro e continuar com ele, sei que elas existem e que não são poucas. Seja por vergonha ou medo, elas acabam não denunciando. E Paddy de Court, apesar de aparentar ser o pica das galáxias, é um grande filha da puta que bateu em todas as mulheres com que se envolveu. E nenhuma delas teve coragem de denunciá-lo.

Então chegamos ao desfecho do livro, que é de uma ingenuidade tão grande que me fez ter raiva. Em vez de todas as mulheres agredidas e ameaçadas por ele se juntarem para denunciar o cara, elas simplesmente o enfrentam e o fazem abandonar a carreira de político. Sozinhas, sem segurança, gritando com um cara que já bateu em todas elas várias vezes. Não faz sentido. Além disso ser muito pouco para alguém que bate em mulheres e que, pelo histórico, vai continuar fazendo. Final covarde.

Porém essa trama só começa a se desenvolver melhor depois da página 600. Lembram que eu falei que o livro tem 800 páginas? Pois é, 3/4 do livro é basicamente enrolação, sem nem tocar direito no assunto chave da história, que é o une as quatro mulheres. À medida que fui lendo, tive a mesma impressão de quando li Um bestseller pra chamar de meu: que a história não desenvolvia, que eu não sabia onde a Marian Keyes queria chegar. E no final do livro tive a impressão de que aquilo tudo foi pra nada.

Reparem que em nenhum momento eu disse que era ruim, apenas que a história não foi desenvolvida no tempo certo. Até porque foi bem divertido ver a Lola formando acidentalmente um grupo de cross dressers e toda a discussão em cima disso que foi gerada. Ou ler sobre a vida de jornalista da Grace, que é um reflexo das frustrações que todos nós – colegas de profissão – temos. Até a parte sobre a política na Irlanda e as críticas geradas foram legais de acompanhar, mesmo eu não sabendo nada da realidade de lá.

E nesse rol de coisas legais, mas sem funcionalidade pra história, temos a que é mais bem descrita, que é o alcoolismo e a depressão da Marnie. Esses dois temas são bem caros para a Marian Keyes, uma vez que ela mesma já precisou ir para clínicas de reabilitação por conta da bebida e passou por um período difícil em que a depressão tomou conta da vida dela. As cenas em que a Marnie emfrenta uma abstinências e precisa desesperadamente de uma bebida para aliviar sabe-se lá o quê (nem ela sabe) são sensacionais. Porém, apesar disso, não acrescentam em nada ao tema central do livro.

Enquanto escrevia esta crítica, pensei bastante sobre o que falaria no final. E o tempo todo me veio à cabeça que Cheio de charme é como um seriado de qualidade duvidosa, daqueles que vai desenvolvendo os personagens em ritmo lento, contando histórias aleatórias para, no season finale, estourar uma bomba em cima da vida deles. Você até se diverte no caminho e não consegue largar, mas quando vai analisar com calma, vê que a temporada não foi lá essas coisas.

Acho que isso descreve bem minha reação ao terminar o livro.

Cheio de charme (This charming man, no original)
Marian Keyes
Bertrand Brasil, 2011 (lançado originalmente em 2008)
784 páginas
Tradução: Maria Clara Mattos