Cartas do Papai Noel

J. R. R. Tolkien
Publicado em 1976
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Querido Papai Noel,

Quando eu crescer, quero ser um pai tão legal quanto o Tolkien foi. Quero ter um carinho tão grande por minhas crianças quanto o que ele demonstrava ter com os filhos. E prometo que vou me esforçar, como ele se esforçou, para que elas continuem acreditando em você mesmo depois de velhas. Pode me cobrar!

A primeira carta do Papai Noel chegou quando John Francis Reuel Tolkien tinha apenas três anos. Letra tremida por causa do frio e da idade, selo do Polo Norte e um autorretrato. Tudo isso porque o menino perguntou para o pai como era o Papai Noel e onde ele morava. O patriarca Tolkien levou a brincadeira a sério e escreveu a primeira carta. Isso foi em 1920. As correspondências do bom velhinho só pararam de chegar em 1943, quando sua filha caçula completou 14 anos.

O livro Cartas do Papai Noel é a compilação dessas correspondências e dos desenhos que o autor enviava anualmente para os filhos. E a primeira coisa que posso dizer sobre ele, e talvez a coisa mais importante, é que ele transpira carinho. A cada letra, a cada desenho, a cada história contada. Isso é tão palpável que você lê a obra com um sorriso no rosto o tempo todo.

Não são raros os momentos em que o Papai Noel agradece as crianças pelas cartinhas enviadas ou que se desculpa por não poder enviar algum brinquedo que elas tanto queriam. Os filhos que cresceram (e estão velhos demais para colocar a meia) também são lembrados sempre, como nas diversas vezes em que Papai Noel pede para que os irmãos mais novos mandem lembranças para o John quando forem escrever para ele. Esses momentos são singelos ao extremo e dão toda a beleza do livro.

A letrinha tremida, sabe…

Mas não é só de carinho e alegria que vivem as cartas. Estamos falando de Tolkien, então podemos esperar um vasto mundo por trás da história do Papai Noel. Apesar de aparentemente serem apenas cartas que ele envia para os filhos no Natal, há uma preocupação com a continuidade e com a expansão da história. E o que mais surpreende é isso, pois há uma história sendo contada ao longo dos anos. Na carta de 1925, Noel conta como o Urso Polar do Norte (seu ajudante fiel) tentou resgatar o gorro que havia voado para o alto do mastro do Polo Norte. Gordo, o animal acabou quebrando o objeto, que caiu em cima do telhado da casa e exigiu que os dois se mudassem. Esse caso é relembrado até as últimas cartas, da mesma forma que pequenos elementos como os gnomos, a guerra dos trolls e os sobrinhos do urso também são trabalhados com frequência.

Outro ponto importante para mostrar o cuidado que Tolkien tinha são as cartas propriamente ditas. Todas possuem selos do Polo Norte, envelope com inscrições diversas, uma carta manuscrita e, às vezes, uma ilustração. A preocupação que Tolkien tem com as letras é impressionante. Já falei lá em cima que a letra do Papai Noel é tremida por causa da velhice e do frio, mas o urso também escreve algumas cartas e possui uma caligrafia própria, adequada às mãos gordinhas. E quando o elfo Ilbereth começa a ajudar Noel, temos uma tipografia fininha e pequena, adequada ao personagem. Isso sem falar que o Tolkien não perdeu a oportunidade de criar um idioma próprio e temos todo um alfabeto criado para a linguagem dos goblins.

Além disso, o livro é recheado de ilustrações feitas pelo próprio Tolkien. Ele ilustra os principais acontecimentos do Polo Norte com um traço simples e bem colorido.

É isso que chamo de carinho

Mas tudo que falei até agora foi apenas enrolação técnica para que possamos chegar na parte mais legal: a relação entre o Papai Noel e o urso polar. Tudo começa com o velhinho contando o quanto o urso é desastrado e tende a atrapalhar as entregas de final de ano. Aos poucos, porém, o próprio urso começa a ter voz. Começa com um P.S. nas cartas, chega a parágrafos inteiros e cartas avulsas, além de fazer comentários sarcásticos nas cartas escritas pelo Noel. A implicância do urso com o Noel por ele não saber desenhar ursos direito, por exemplo, é fantástica. E esse é só um exemplo. Os dois se xingam o tempo inteiro, mas, no fundo, não passa de uma bela e divertida relação de amizade.

Há apenas um momento na obra que as coisas perdem um pouco do tom divertido e me surpreendi por isso estar presente. Quando a Segunda Guerra Mundial estoura, as cartas passam a abordar esse tema e mostram a preocupação crescente do Papai Noel com as crianças que estão no meio da confusão. Frases como “Estou muito ocupado, e este ano as coisas estão muito difíceis por causa dessa guerra horrível. Muitos dos meus mensageiros jamais voltaram” ou “o número de crianças que continua a me escrever parece estar diminuindo: acho que é por causa dessa guerra horrível” são de cortar o coração.

No fim, uma ótima leitura a ser feita não só na época do Natal. Afinal, o coração precisa se sentir quentinho e acolhido o ano inteiro.

Obrigado pelas cartas, Tolkien

Cartas do Papai Noel (Letters from Father Christmas, no original)
J. R. R. Tolkien
WMF Martins Fontes, 2012 (lançado originalmente em 1976)
168 páginas
Tradução: Ronald Eduard Kyrmse

P.S.: Só por questão de cronologia: John Ronald Reuel Tolkien teve quatro filhos com Edith Mary Tolkien, seu grande amor. O primeiro deles, John, nasceu quase no fim da Primeira Guerra Mundial, em 1917. Michael veio ao mundo três anos depois, em um período mais calmo. Christopher demorou um pouco mais e nasceu em 1924. A única menina da família, Priscilla, só chegou cinco anos depois do último dos meninos, em 1929.