Cai o pano

Agatha Christie
Publicado em 1975
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Às vezes a história por trás de um livro é tão interessante quanto a que ele conta. Cai o pano foi escrito durante a fase final da Segunda Guerra Mundial, quando Agatha Christie ainda temia por sua vida. A autora quis dar um fim digno para seus dois detetives principais – Hercule Poirot e Miss Marple – e produziu dois livros para serem publicados caso ela morresse.

Como isso não aconteceu, Agatha Christie guardou-os por cerca de 30 anos em um cofre de banco. Em 1975, quando constatou que não conseguiria mais escrever, liberou os livros para publicação. Cai o pano foi lançado aproximadamente três meses antes de sua morte, sendo a última obra publicada ainda em vida (Um crime adormecido, o último caso de Miss Marple, foi publicado após a morte da autora, em 1976).

Mas não é só por isso que o livro é famoso. Ele também é uma das melhores histórias escritas pela Rainha do Crime. Antes de falar o porquê, tenho que contar sobre a história.

O capitão Arthur Hastings é convocado por Poirot para voltar à casa de campo Styles, local do primeiro crime desvendado pelos dois (em O misterioso caso de Styles, primeiro livro publicado por Christie). Quando chega lá, Hastings encontra o amigo em péssimo estado de saúde. Sem conseguir andar e com problemas no coração, o detetive apresenta ao capitão cinco crimes, sem mistério nenhum envolvido. Em todos eles só havia uma única explicação possível para os assassinatos, mas Poirot afirma para Hastings que a polícia estava enganada e que havia uma única pessoa por trás de todos eles. E, mais, que essa pessoa estava hospedada em Styles.

Poirot se recusa a contar para Hastings quem é essa pessoa, mas pede que ele use as células cinzentas e descubra quem será a possível vítima. A partir disso passamos a acompanhar o capitão, que também é o narrador da história, em sua busca e conversas com os outros hóspedes do Styles.

Embora eu seja um defensor ferrenho do Sherlock Holmes, gosto bastante do Hercule Poirot. Vê-lo em uma cadeira de rodas, debilitado e à beira da morte, é uma das cenas mais tristes para os leitores de Agatha Christie. A essência do personagem está ali, mas está presa em um corpo frágil. O cérebro brilhante é o mesmo, mas não pode sair para investigar sozinho.

É nesse ponto que se encontra toda a genialidade do livro. Hastings não é tão dedutivo quanto Poirot e acredita demais nas pessoas. Como vemos tudo pelos olhos do capitão, nunca temos uma visão completa do problema. Quem nos passa algumas informações é o detetive, mas a maioria das deduções vem do próprio Hastings.

A todo momento Agatha Christie brinca com o seu leitor. Ela manipula as informações o tempo inteiro e, no fim [SPOILER] mostra que quem nos manipulava o tempo inteiro era Poirot, que em vez de passar as informações mastigadas para o Hastings, deixou que ele deduzisse o que bem entendesse. Como ele deduz errado, seguimos com a impressão errada o livro inteiro. Isso sem falar no assassino, que não é um assassino em si, mas sim uma pessoa que sabe usar bem as palavras. Afinal, todo mundo tem potencial para ser um assassino, basta ser estimulado da maneira correta. Uma aula de narrativa e de condução do leitor. [/SPOILER]

Por tudo que esse livro representa na carreira de Agatha Christie, por sua história envolvente, sua brincadeira com o leitor e sua resolução impressionante, Cai o pano é um dos melhores livros da autora. Isso se não for o melhor.

Cai o pano (Curtain)
Agatha Christie
Editora Nova Fronteira, 2010
217 páginas
Tradução: Clarice Lispector

P.S.: A morte de Poirot foi tão significativa que ele é o único personagem de ficção a ter seu obituário publicado pelo jornal The New York Times, com direito até a foto na capa. A edição histórica foi publicada no dia 06 de agosto de 1975.