Capa do livro Caçadas de Pedrinho, na qual uma onça encara Pedrinho, Narizinho e Emília.

Caçadas de Pedrinho

Monteiro Lobato
Publicado em 1933
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Se cobrei mais aventura em Viagem ao céu, ler Caçadas de Pedrinho foi minha redenção. Publicado em 1933, o livro pode ser dividido em duas partes distintas. Na primeira, Rabicó encontra uma onça no capoeirão e Pedrinho, aventureiro nato, decide caçar o feroz animal. Junto de Narizinho, Emília, Visconde e Rabicó, ele consegue capturar e matar a fera em um golpe de sorte. Os outros animais da floresta, com medo de serem as próximas vítimas, preparam uma invasão ao Sítio para vingar a morte da onça. Já na segunda parte, Pedrinho começa a se animar com a caçada da onça e decide procurar algo maior e mais perigoso. É quando ele descobre que um rinoceronte fugiu do zoológico e está rondando as matas na cercania do Sítio.

Só por esse resumo já deu pra perceber que este livro é o mais aventuresco dos que li até agora. Como o próprio título diz, Pedrinho é o grande protagonista, embora a Emília muitas vezes chegue para roubar o posto. Tudo que envolve as caçadas vem do Pedrinho. É ele o grande arquiteto dos planos e o responsável por botá-los em prática. Mas se não fosse pela Emília, nada do que o Pedrinho fez poderia ter acontecido. Seu raciocínio rápido e suas tiradas engraçadas funcionam bem neste livro, ainda mais quando Emília mostra a suas características mais clássicas: a chantagem e a extorsão.

Além disso, as duas partes do livro conseguem ser legais na medida certa. A caçada é muito bem descrita, a revolta dos animais é algo fora de série e o ataque ao Sítio e seu desfecho são ótimos. Na outra parte, tudo que envolve o rinoceronte Quindim merece destaque, desde o comportamento da “fera” até a atitude daqueles que deveriam capturá-lo.

Ilustração do Rinoceronte Quindim lendo uma gramática, referência ao livro em que ele é o protagonista

Aliás, ao contrário dos outros livros do Sítio que li até agora, este é o único que apresenta uma crítica direta ao governo e aos funcionários, principalmente os que adiam o serviço ao máximo para receberem o salário sem trabalhar de fato. O Departamento Nacional de Caça ao Rinoceronte é só uma representação de tudo que não funciona no governo e em como eles utilizam a burocracia a favor dos atrasos e do benefício próprio. É aquela crítica tão presente nos livros adultos e que ainda não tinha aparecido com tal força nos infantis.

A única coisa que eu realmente não entendi foi o Lobato ter acrescentado uma personagem avulsa só para agradar um amigo/sócio. Cléo é uma admiradora do que os meninos fazem no sítio, mas, para além disso, pouco acrescenta à história. A Narizinho, que fica apagada em boa parte do livro, poderia muito bem ter desempenhado o mesmo papel da Cléo.

Foto da atriz e cantora Cléo Pires

De qualquer forma, Caçadas de Pedrinho é um dos melhores da série do Sítio que li até agora. Os próximos têm tudo para serem igualmente bons, mas um livro no qual o Pedrinho é o protagonista é sempre mais legal!

As polêmicas

Caçadas de animais silvestres e racismo. Quem diria que um livro da década de 1930 geraria tantas discussões em pleno século XXI. Hoje nós sabemos – ou pelo menos deveríamos saber – que não é legal caçar bichos ameaçados de extinção e que também não é legal julgar as pessoas pela cor da pele. Mas há 90 anos isso era “normal”. Caçadas de Pedrinho acaba abordando estes dois temas e, por isso, causa controvérsias na hora de ser levado para a sala de aula.

Com relação às caçadas, a primeira providência do livro é avisar: “Essa grande aventura da turma do Sítio do Picapau Amarelo acontece em um tempo em que os animais silvestres ainda não estavam protegidos pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), nem a onça era uma espécie ameaçada de extinção, como nos dias de hoje”. Ponto resolvido. Tudo certo, vamos em frente que o próximo caso é mais complicado.

Recentemente, Caçadas de Pedrinho chegou a ser proibido de chegar às salas de aula por conta de expressões racistas contra personagens como a Tia Nastácia. São expressões que, vistas com os olhos de hoje, são realmente racistas como “Trepou como um macaco de carvão” ou de falsa benevolência: “boa negra”, “negro também é gente, Sinhá”. A alegação para ele ser proibido é que uma nota explicativa não bastaria nesse caso, já que “essa resolução transfere a responsabilidade para o professor da educação básica, muitas vezes, sem preparo para lidar com o tema”.

Ilustração da Tia Nastácia

Uma coisa não dá para negar: há sim um tom racista nas obras de Lobato. Durante a época que o processo estava transitando por aí, tive que ler muita coisa sobre a suposta face racista do autor para fazer uma matéria. Há vários registros em cartas de que Lobato tinha mesmo esse pensamento, que era segregacionista e que menosprezava os negros. Fica claro que esse pensamento às vezes vaza para suas obras de ficção, principalmente no tratamento que os meninos dão para Tia Nastácia. Ela é a “preta burra”, a cheia de crendices, a desajeitada, tratada “como se fosse da família”.

Muita coisa pode ser dita e discutida a respeito dos detalhes que permeiam o livro. Proibi-lo em sala de aula é um desfavor para a educação, que perde uma discussão que poderia ser muito proveitosa. Se há o medo de que os professores estejam despreparados, que os preparem então. O que não pode deixar é que as crianças fiquem sem ler ou ter acesso a um debate que pode ser tão rico.

Caçadas de Pedrinho
Monteiro Lobato
Editora Globo, 2007 (publicado em 1933)
71 páginas

P.S.: Quando falo que o Monteiro Lobato tava pouco se fudendo pro Visconde, vocês duvidam de mim. Depois de tudo que já falei no “P.S.” da última resenha, leiam este trecho: “e ainda que fosse percebido e devorado, não fazia mal, pois que era de sabugo e, havendo muitos sabugos no sítio, Tia Nastácia num momento fazia outro Visconde”. Isso é que é consideração com um personagem.

Foto do ator que fez o Visconde de Sabugosa na adaptação do sítio para tv na década de 2000.