Astronauta: Magnetar
Danilo Beyruth
Publicado em 2012
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Dos personagens criados por Maurício de Sousa, dois deles se destacam por trazerem uma reflexão filosófica: Horácio e Astronauta. Enquanto um é o único tiranossauro vegetariano e se questiona o tempo todo sobre a vida, o universo e seus amores, o outro é um viajante do espaço que se vê longe da Terra e das pessoas que ama.
No caso do Astronauta, essa reflexão vem em cima de um forte sentimento de solidão, amplificado graças à imensidão espacial e à ausência da mulher amada. Não são raras as histórias em que ele sonha em voltar para a sua cidade natal para rever família e amigos. No fim, acaba sempre impedido pela próxima missão ou por seu espírito aventureiro. Para completar esse clima de solidão, ainda há a história da Ritinha, o grande amor de sua vida, que não aguentou esperar o fim da missão do amado e casou-se com outro. Levando em consideração tudo isso, talvez o Astronauta seja um dos personagens mais complexos dentro do universo criado pelo Maurício.
E é justamente ao abordar essa solidão crescente que a graphic novel produzida por Danilo Beyruth, autor de Necronauta e Bando de dois, consegue se destacar. Tudo começa quando o Astronauta resolve ser o primeiro a pesquisar um magnetar* de perto. Mas a nave é atingida por uma rocha metálica e o personagem se vê isolado do universo, tornando-se um verdadeiro náufrago espacial.
A primeira coisa a se destacar na obra é o cuidado com os detalhes. Antes mesmo de ler os extras, é possível notar a preocupação com a parte científica e para que os dados sejam passados de forma clara e correta. Esse cuidado é essencial para entendermos como o Astronauta vai parar em tal situação e como ele se vê tão sozinho depois.
E não é só a parte científica que é seguida a risca, mas também a de um explorador. Não é a toa que o depoimento no final do livro é do navegador Amir Klink, que diz: “a experiência do pleno isolamento em ambos [espaço e mar] não será diferente”. Os detalhes de como o Astronauta precisa sobreviver naquele ambiente inóspito, como ele se alimenta, como busca água e como mantém a sanidade são importantes para trazer a obra para perto do leitor.
É no quesito “manter a sanidade mental” que bato palmas lentas para o Danilo Beyruth. Vou fazer uma comparação infeliz agora, mas vai fazer sentido, prometo. A única coisa realmente boa da série de livros Crepúsculo foi quando, no segundo livro, a Stephanie Meyer retratou a passagem de tempo na vida da Bella após Edward ir embora. Eram páginas em branco, apenas com o nome dos meses em cima. Como a narração é em primeira pessoa, o recurso foi eficaz para mostrar que nada aconteceu naquele período, que não havia história para ser contada.
Em Magnetar, essa passagem do tempo também é feita de forma única. O Astronauta começa a relatar como será a rotina após a quebra da nave. Quando termina o dia, os quadros se repetem. E se repetem. E se repetem. E vão diminuindo até preencher uma página inteira de uma rotina repetitiva, vazia e exaustiva. Pra mim esse é o auge narrativo da história. E se ela desliza um pouco em seu desfecho, todo o resto compensa e o final não compromete em nada o grande trabalho que é Magnetar.
Agora, falando da arte, quem está acostumado com os elementos visuais clássicos do Astronauta vai ficar satisfeito com a releitura. A nave em forma de bola continua presente, muito mais tecnológica do que o habitual. O uniforme redondo foi reformulado para algo mais dinâmico, mas os elementos básicos dele continuam lá. Os traços mais maduros do personagem contribuem para que toda a aventura seja mais real e que realmente temamos pelo futuro do Astronauta. Só senti falta dos seres de outras galáxias, mas como eles não fariam sentido em uma história como essa, resta-me imaginar o quão incrível eles seriam desenhados pelo Beyruth.
As cores, que ficaram a cargo de Cris Peter, também são um espetáculo a parte. A maior parte da história é contada sob os tons de azul do Magnetar. As páginas duplas com os asteroides estão entre as mais bonitas de toda a graphic novel, inclusive. Mas é quando o Astronauta começa a surtar devido à solidão que as cores explodem e o azul dominante é substituído por um rosa que varia de uma tonalidade mais clara até um rosa intenso quando o personagem “encontra” sua amada Ritinha e o avô. Fora a página dupla que mostra todo o espaço em tons de preto, rosa e azul, que eu acho a mais bonita de toda a graphic novel.
Quando a história acabou, fiquei com aquele gosto bom de quero mais. Queria ver este Astronauta em novas aventuras, explorando o espaço, convivendo com raças alienígenas, lutando por aqueles que ama. E eu acho que não há melhor elogio para uma história e para um personagem do que esse.
Astronauta: Magnetar
Danilo Beyruth
Panini Comics, 2012
82 páginas
*Uma estrela em um dos estágios finais de vida, com alto campo magnético e que emite grande quantidade de raio x e de radiação gama
P.S.: Astronauta: Magnetar foi o grande vencedor do Troféu HQ Mix 2013, com três troféus: Edição especial nacional, Desenhista nacional e Projeto editorial (para o selo Graphic MSP).
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.