Tiro de meta. Com um chute firme, o goleiro encontrou o volante sem marcação, ainda no meio-campo. Ele viu o lateral esquerdo avançando e tocou a bola em profundidade. Usando toda a explosão muscular que ainda lhe restava, alcançou a bola e conduziu-a até a linha de fundo adversária. Quando a marcação do zagueiro chegou, livrou-se dela com um drible desconcertante. Levantou a cabeça, olhou para o meio da área e cruzou. Na marca do pênalti, o centro-avante viu a bola rolar com perfeição até seu pé direito. O estádio inteiro prendeu a respiração.

Atrás do gol, Túlio roía as unhas. Era jogo importante, valia vaga na final. Seu time nunca havia chegado tão longe na competição e ele estava nervoso. Quem não estava? Aquela torcida, acostumada a sofrer até contra equipes menores, não esperava uma campanha tão positiva. O time não tinha craques, não tinha um orçamento astronômico. O que tinha era um esquema tático bem definido e muita força de vontade. A famosa raça, que todos pediam. Chegaram à semifinal como azarões, mas sabia que tinham forças para uma possível final. Sua esperança aumentou quando o centro-avante se preparou para o chute. Antes da conclusão da jogada, fechou os olhos em uma prece silenciosa.

Júnior descansava tranquilamente nos braços do pai. Vestido com o uniforme completo – até meião, quem diria -, nem se importava mais com o que acontecia dentro de campo. Estava cansado e aquela gente não parava de gritar, de balançar bandeiras, de fazer barulho com tambor. Era a primeira vez que o pai o levava ao estádio. Tinha achado tudo muito bonito, mas já cansara. Todo mundo tinha ficado em pé o tempo inteiro e ele era baixinho ainda. Só conseguiu enxergar direito quando o pai o colocou em cima do ombro, mas agora estava cansado. Disseram que o jogo estava acabando e decidiu que não queria assistir o resto. Pediu colo e o pai, ansioso, carregou-o sem tirar os olhos do campo. Ele não viu quando o centro-avante se preparou para o chute, mas sentiu o pai apertá-lo mais forte contra o peito.

Abraçada com a bandeira do time, Maria Lúcia tinha os olhos fixos no campo. Não queria perder um instante daquele momento histórico. E não foi fácil conseguir aquele ingresso. Ao contrário das centenas de torcedores que acamparam na porta do estádio, ela tinha um trabalho que não quis liberá-la por uns dias. Maldito chefe que torcia para o time adversário. A solução foi recorrer aos cambistas e pagou caro por seu lugar na arquibancada lateral. Mas o dinheiro não importava nesse momento. Queria estar com o time, gritar, cantar o hino, xingar o juiz, o adversário, comemorar. E conseguiu. Quando o centro-avante se preparou para o chute, ela abriu a bandeira, cruzou os dedos e respirou fundo.

Na área técnica, o treinador andava nervoso de um lado pro outro. Era o momento do jogo em que a formação tática não ajudaria em nada. Que a semana inteira de treinamento não fazia mais diferença. Só o coração importa quando o fim de uma partida decisiva se aproxima. Ele sabia disso e gritava para os seus comandados. Palavras de incentivo. Ordens técnicas inúteis. Pulava, vibrava. Queria mostrar para os jogadores que acreditava neles. Era a melhor campanha do time na história e não deixaria acabar por ali. Começou a treinar a equipe em uma fase ruim. Reergueu cada um dos jogadores. Transmitiu a importância deles para o grupo. E começou a vencer. Era o grande trabalho de sua carreira, tinha certeza disso. Quando o centro-avante se preparou para o chute, um filme passou em sua cabeça e os olhos marejaram.

Naquele momento, o estádio inteiro ficou em silêncio. Os olhos estavam fixos no centro-avante, que armou o chute. O barulho feito pela chuteira em contato com a bola foi ouvido por todos os mais de 50 mil presentes. O jogador não pensou em consagração, em fama, nos torcedores. Não pensou em nada. Se concentrou apenas em acertar. E a bola, caprichosa, foi encontrar seu lugar no fundo das redes, sem chances de defesa para o goleiro adversário.

O silêncio, então, deu lugar a uma só voz.