Quando cheguei àquele galinheiro distante, as primeiras coisas que ouvi foram sobre a princesa. “Você precisa conhecê-la”, “Ela é a coisa mais bonita que já vi”, “Se fosse um belo frango como você, me casaria com ela agora mesmo”. Todos os moradores tinham algo a dizer sobre ela, sempre os maiores elogios que alguém pode receber. Eram uns puxa-sacos.
“Que povo mais desesperado para desencalhar a princesa”, pensei. Ela deve ter um defeito enorme para eles ficarem empurrando a pobre coitada para qualquer um que apareça. Como estava só de passagem, ignorarei as súplicas e segui minha viagem. Ou pelo menos tentei. A toda hora, os aldeões me paravam. Insistiam para eu conhecer a princesa. Puxavam meu cavalo na direção do palácio. Ajoelhavam no meio da rua quente para implorar.
Encheram tanto o meu saco que resolvi conferir se ela era tudo aquilo mesmo. Esperava estar errado em tudo que imaginei. Afinal, no mínimo uma transa boa eu conseguiria.
Entrei no castelo como se já fosse de casa. Um serviçal me levou direto ao quarto da princesa. Achei estranho, mas como eu já estava lá, decidi dançar a música. Uma porta de vidro que ficava eternamente trancada me separava da princesa. E meu bico ficou aberto meia hora quando vi o quão perfeita era aquela galinha. Penas brilhantes, peito fantástico, rabo empinadinho. Eu a desejei na mesma hora. Ela disse que me amava.
Não precisou muito tempo para convencer o rei galo a me dar a mão (e todo o resto) da princesa em casamento. O único problema é que ela não podia sair de sua redoma de vidro antes de oficializarmos nossos votos. Então foi realizada uma cerimônia diferente. Eu de um lado do vidro, ela do outro. Quando nós dois dissemos sim, o vidro desapareceu na mesma hora e eu, enfim, pude tocar minha princesa.
Nossa primeira noite foi ótima. Quando terminamos, ela revelou que o quarto de vidros era culpa da maldição de uma bruxa. Ela havia acabado de ser chocada quando essa bruxa veio ao castelo, acusando o rei de não tê-la convidado para a festa. Ela, então, me deu duas possibilidades: ser linda para sempre e ficar presa no vidro até a chegada de um belo frango ou simplesmente crescer e ver no que dava. Não tenha nem dúvidas de qual foi a escolha do rei.
Ela me contou essa história e, com o alívio sentido, adormeceu. Não demorou muito para eu fazer o mesmo. Na manhã seguinte, acordei primeiro, já pensando em fazer um belo café da manhã para minha mais nova dama. O que não imaginava era a extensão da maldição daquela bruxa. Quando olhei para o lado, minha bela princesa havia se transformado numa galinha gorda e cheia de celulites. Completamente horrenda!
Quando percebi, já tinha caído do poleiro e acordado do pesadelo. Galinha gorda maldita, até os meus sonhos essa infeliz tem que invadir?
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Vou desativar meu antigo blog, o “Memórias de um frango”. Para isso, vou resgatar as crônicas que estavam postadas lá, dar uma repaginada e trazer para cá. Tudo que me lembro deste texto é que me desafiaram a escrever um conto de fadas. Resolvi fazer isso da minha forma e saiu essa loucura aí, com direito ao final horrível de “foi tudo um sonho”.
Começou a escrever em 2008 para fugir de uma rotina massante no galinheiro e descobriu que era bom naquilo. Ou pelo menos achava que era, já que nunca conseguiu dar nenhum beijo na boca por seus textos. Dizem por aí que continua virgem, mas ele nega.