– Por favor, não surta.
– Então para de me enrolar e conta logo o que é, caralho!
– É que não sei como você vai reagir.
– Conta o que é e você descobre.
– É que… eu vou embora.
– Como assim embora?
– Embora. Pegar minhas malas e ir embora.
– Não, cê tá brincando. Simples assim? Chutar tudo e ir embora? Pra onde? Fazer o quê? Cê tá louco?
– Falei que cê ia surtar.
– Cê me solta uma notícia dessas e não quer que eu surto? Você não pode largar essa bomba e fingir que nada aconteceu. Cê nunca falou nada de mudar nem de casa. Não deu sinal nenhum.
– Mas eu mandei você sentar.
– Que ótimo, um aviso cinco minutos antes.
– E eu nem falei pra onde vou.
– Pro seu bem, espero que seja pro bairro vizinho.
– Eu vou embora para a Austrália.
– Austrália? Cé tá é muito louco!
– Pelo amor de Deus, acalma.
– Cê não pode ir.
– Claro que posso.
– Você não vai e pronto.
– Mas é lógico que eu vou. Não preciso dar satisfação da minha vida pra ninguém. A vida é só minha, sabe? Essas coisas eu decido sozinho. E foda-se o que você acha.
– Como assim foda-se? A gente tá junto, porra! Você não pode soltar que tá indo embora assim.
– Nem vem com esse papinho. Quer saber de uma coisa? Preciso falar uma coisa que tá engasgada há meses: cansei da gente. É isso mesmo que você ouviu: CAN-SEI.
– Vai se fuder! Fui eu que te aguentei esse tempo todo, cê não pode me chutar assim.
– Não só posso como estou fazendo isso. Não tá funcionando, aceita isso. Não adianta insistir mais.
– Não tá funcionando porque você não quer. Eu tô fazendo minha parte.
– Tá mesmo? Tem certeza disso?
– Certeza absoluta. Se tem alguém errado aqui, esse alguém é você.
– É por isso que eu cansei, sabe. Você não entende nada.
– Não entendo o caralho! Cê vai fazer essa palhaçada quando?
– Amanhã.
– AMANHÃ? E você deixou para me contar isso só agora?
– Porque eu sabia que cê ia surtar.
– É lógico que eu ia surtar, seu animal. Quem te falou que ia ser ótimo esconder isso de mim até último segundo?
– Eu mesmo escolhi isso. Eu tentei, mas não consigo mais suportar ficar perto de você. Chego a me sentir mal.
– Deixa de ser louco!
– Louco foi a gente ter insistido nessa relação. Eu fiz tudo o que eu podia, mas não dá mais. Quero ares novos. Cansei.
– É isso mesmo que você está falando, que a culpa é minha?
– É isso mesmo. Você sabe que eu não fico feliz quando tento fingir. A culpa é sua sim.
– Filho da puta!
– Tá vendo?
– Tá vendo o quê, desgraçado?
– Que não tá dando mais. Ah, quer saber de uma coisa? Chega. Vou embora.
– Não vou deixar você ir embora assim. A gente precisa conversar direito, porra!
Ele virou as costas e saiu. Não olhou para trás. Ouviu gritos às suas costas, mas não entendia mais as palavras que eram ditas. Era um barulho do passado. Estava tranquilo, enfim. Sabia que era a coisa certa a ser feita.
Para ler ouvindo: Easy, Sky Ferreira (trilha do filme Baby Driver)
Esta crônica faz parte do Music Experience
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.