Querido Papai Noel,
A situação aqui no galinheiro piorou bastante desde a última vez que conversei com o senhor. Se alguém olhar de fora, vai achar que está tudo na santa paz de deus. As entregas de ovos continuam a ser feitas no prazo, as galinhas continuam fofocando nas ruas e eu continuo acordando todo mundo às 5h da madrugada, mesmo contra a minha vontade. Mas, quando você vier entregar os presentes, com certeza vai sentir um clima meio pesado. Meio pesado, aliás, é eufemismo. Tá muito foda viver aqui e a culpa é toda do granjeiro.
Você se lembra das conversinhas erradas dele no final do ano passado? Pois bem, ele decidiu promover uma revolução pra tirar o máximo de lucro possível. As galinhas, por exemplo, não têm mais nenhum tipo de direito trabalhista, com a desculpa de que isso geraria menos desemprego e que ninguém mais precisaria parar na panela. A gente tentou alertar (leia-se, fizemos um piquete e queimamos alguns poleiros) que nem desemprego tem no galinheiro, mas quem disse que ele nos ouviu?
Então, sem mais nem menos, as galinhas agora têm metas absurdas de produção semanal e estão trabalhando até a exaustão. Não têm mais direito a descanso no meio do expediente ou folgas. E se elas não cumprem essa cota, são colocadas em uma lista. Aos poucos, as que estão nela são levadas pra cozinha. Uma de cada vez, sempre aos domingos, antes do almoço. Aquele granjeiro filho de uma puta está promovendo um extermínio no galinheiro com a desculpa da meritocracia. Meritocracia é teu cu sujo de bosta, desgraçado.
E isso é só um exemplo do que tem rolado por aqui. A gente está com medo de falar os problemas em voz alta, pois sempre pode ter alguém ouvindo pra nos denunciar. Só estou mandando essa carta pro senhor porque já são quase dez anos nos comunicando e temos um certo grau de intimidade. Confio que você vai queimar isso assim que terminar de ler – ou divulgo sua sextape com os gnomos e a Mamãe Noel (sim, ainda tenho esse vídeo). Você é quem sabe.
Mas eu nem devia estar reclamando, já que a minha parte nem é a pior. Como frango garanhão reprodutor da granja, minha missão é transar com o máximo de galinhas desse lugar. O senhor sabe que não é uma tarefa fácil e meu saldo era negativo nos últimos anos. Com essa imposição do granjeiro, porém, sou obrigado a transar. Em outros anos, acharia isso lindo. Mas não tem sido assim.
Por medo do que pode acontecer, as galinhas chegam até meu poleiro com medo. Sinto a pressão de tratar elas com carinho em um momento tão difícil, mas também estou me sentindo um bosta. Nunca fiz tanto sexo na minha vida, mas eu não queria que fosse assim. É uma obrigação para todo mundo e ninguém está se divertindo. Estamos só protegendo nossos pescoços, sem direito a gozar direito no final.
Isso sem falar que minhas aulas de como ser um frango garanhão se intensificaram. Agora aquele galo velho caquético resolveu mostrar as esporas do autoritarismo, tirou o uniforme militar do armário e anda com ele pra cima e pra baixo. Além disso, o granjeiro decidiu militarizar meu estudo e trouxe uma galera bizarra pra me dar aulas. Se eu achava que o galo velho tinha parado no tempo, as aves que ele trouxe pra me ensinar saíram direto da Alemanha de 1940. Falta só o bigodinho em cima do bico e uma suástica. E o filho da puta tá achando isso tudo lindo.
O que me dá orgulho é que tem um bando de galinhas se organizando pra lutar contra isso tudo que está aí. O senhor sabe o tanto que sou um cagão, então tô dando um apoio a distância. Meu ato mais rebelde foi deixar elas usarem meu poleiro pra fazer umas reuniões secretas. Essa foi a primeira vez que convidei uma galinha pra cá sem a intenção de transar. E o sentimento foi muito bom, estou orgulhoso de mim mesmo. Só não me peça pra lutar no front porque tenho medo de virar frango ao molho pardo.
Enfim, como deu pra perceber, não estou em clima de Natal. Ano passado você deu uma moral aqui pro galinheiro e entregou uns materiais de guerrilha, então acho que posso contar com você de novo. Sei que você não pode matar o granjeiro para a gente (não estou insinuando que alguém vá matar, mas quem sabe), então podia facilitar a nossa vida por aqui. Só uns coquetéis molotov, umas armas daquelas de mira e umas granadas já está bom. Pode ser?
São os votos carinhosos do Frango!
P.S.: Esse negócio de guerrilha é muito bonito, mas não fica bacana para colocar embaixo da árvore. O senhor podia trazer mais uns joguinhos de Nintendo Switch pra mim. Estou muito triste com toda essa situação e preciso capturar uns pokémons. E esse ano vou te dar um voto de confiança e nem vou te chantagear. Olha a bosta que está a minha vida e vê se não mereço um presentinho qualquer.
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Começou a escrever em 2008 para fugir de uma rotina massante no galinheiro e descobriu que era bom naquilo. Ou pelo menos achava que era, já que nunca conseguiu dar nenhum beijo na boca por seus textos. Dizem por aí que continua virgem, mas ele nega.