Desde criança sabia o que era viver em alto mar. Filho de pescadores, aprendeu a velejar bem cedo. Sua casa era o Órion. Conhecia cada detalhe, cada esconderijo, cada segredo para extrair o melhor da embarcação. Cresceu ali dentro e, aos poucos, passou a dividir as tarefas mais pesadas com o pai. Eram dias e dias em alto mar, juntos.
Aos 30 anos, já bastante experiente, viu o pai sofrer um ataque cardíaco fulminante durante uma pescaria. Sem saber o que fazer, viu o velho morrer em seus braços, sem esperança de salvação. Passou então a navegar sozinho. O Órion foi sua herança, assim como todas as obrigações em ser o homem mais velho da família. Acabou forçado a passar muitos meses longe, pescando sozinho.
À medida que o tempo avançava, a falta do pai se fazia mais presente. Via lembranças em todos os lugares, principalmente nas pequenas coisas, nos objetos deixados por lá. Agora que ele se fora, o barco virou um lugar solitário. Não era de seu feitio reclamar da vida que tinha, mas sentia muita falta de uma companhia. Sentia falta de uma família.
Os poucos momentos em terra firme eram dedicados à venda de peixes. Os comerciantes eram seu único contato com outras pessoas. Também começou a sentir falta de estar com mulheres. O tempo era tão escasso que não tinha tempo para investidas amorosas. Além do mais, quem gostaria de se envolver com uma pessoa que passava tanto tempo afastada?
Essa solidão era mais forte quando ele se deitava à noite em seu barco. Isso o tornou cada vez mais frio. Sua frustração era convertida em dedicação ao trabalho. Tornou-se um marinheiro invejável. Pescava mais do que qualquer outro homem da região. Voltava sempre sozinho, mas com o barco cheio de peixes.
O Órion também parecia outra embarcação depois dessa mudança de comportamento. Finalmente fazia jus às histórias de grande caçador dos mares e navegava imponente, trazendo o máximo de peixes que conseguisse. Se eles soubessem o que o Órion representava, com certeza fugiriam de tanto medo. O barco e seu comandante tornaram-se mestres das águas, mas eram as criaturas mais tristes daquele lugar.
Se tornou um marinheiro tão solitário que, em terra firme, preferia se recolher no cais e observar o mar. Em uma dessas ocasiões, ouviu vozes vindas da linha do horizonte. Conseguia ouvir seu pai com perfeição. Junto com ele uma voz de mulher com a qual sempre sonhara. Os dois o chamavam, insistiam para que eles se encontrassem o mais rápido possível.
Como um feitiço, ficou hipnotizado por aquela melodia. Passou os dias seguintes em um estado de estupor. Voltava todas as manhãs para o mesmo lugar, só para escutar mais uma vez o som maravilhoso que vinha dos mares. Saia de lá apenas à noite, ainda encantado.
Tinha medo de deixar o cais e perder para sempre aquela sensação. Adiou a partida, mas a angústia em seu peito só aumentava. Um dia percebeu que não aguentava mais e armou o Órion para a sua maior aventura. Não se despediu de ninguém. Não olhou para trás quando o barco avançou os primeiros metros pelo mar.
Continuava ouvindo as vozes como se estivessem dentro da sua própria cabeça. Içou as velas e virou o barco em direção ao som. Sentou-se na popa do Órion e contemplou o mar. Navegou em direção a sua obsessão até se perder para sempre, sem nunca conseguir encontrá-la no imenso oceano.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.