– Cara, peguei o ônibus pra vir pra cá e você nem imagina quem sentou do meu lado.
– Não tenho a mínima. Quem foi?
– Chuta alguém, vai lá.
– Vai se fuder. Conta logo quem foi.
– A Bruna.
– Que Bruna?
– Aquela baixinha que estudava no Estadual Central e ia no ônibus todo dia com a gente. Lógico que você lembra dela.
– Nó, lembro demais! E como que ela tá? A última notícia que tive é que ela tava estudando administração em uma faculdade particular qualquer.
– Tá desatualizado demais, sô. Ela já formou e tá trabalhando numa empresa de turismo lá no Centro.
– E ela ficou mais gatinha do que já era? Tem quase uns dez anos que não topo com ela por aí.
– É isso mesmo, tem uns dez anos que ela parou de pegar ônibus com a gente. E você nem imagina no tanto que ela tá gatinha agora. Não sei se você lembra, mas na época ela ainda usava aparelho e o peitinho não era lá essas coisas. O aparelho resolveu parte do problema e ela colocou silicone pra resolver a outra.
– Porra, deve estar gostosa pra caramba, então. E ela sentou do seu lado do nada?
– Acho que foi, não reparei se tinha mais lugares vazios no ônibus. Devia ter, mas ela me viu e sentou ali. Nem vi ela chegando. Tava com meu livro e o fone de ouvido quando ela veio toda simpática pro meu lado.
– Então foi ela que puxou assunto?
– Foi. O que é estranho, principalmente depois do que aconteceu naquela vez.
– Bem estranho, mas se bobear ela nem deve estar lembrando daquilo. Tem muito tempo que rolou a treta. Aliás, se você não tivesse falado da Bruna, acho que nem ia lembrar que você quase apanhou no ônibus.
– Já lembrei demais disso hoje, não precisa frisar. Já basta a Bruna, que no meio da conversa ela soltou umas indiretas, veio com conversinha mole.
– Eita, então ela não queria só conversar de boa?
– Achei que era isso, relembrar as história daquela época do ônibus e só. Até começou bem, rimos um pouco de quando você se enganchou na roleta, da vez que ela dormiu tanto e a gente deixou ela perder o ponto. Mas aí, do nada, ela começou a falar do ex namorado. Você se lembra dele?
– Agora que você reviveu a história, não tem como esquecer do cara. Foi ele que tentou te bater, não foi?
– Foi, aquele babaca.
– Você também foi bem babaca aquele dia.
– Quem foi babaca mesmo foi a Bruna. Ninguém mandou ela exibir o namorado novo no ônibus. No nosso ônibus.
– É mesmo, tudo começou por causa disso, não foi?
– Foi. Se me lembro bem, o cara tinha dormido na casa dela pela primeira vez. Era alguma coisa assim.
– Isso mesmo! E você ficou puto de ciúmes.
– Fiquei mesmo. A Bruna sabia que eu gostava dela e me esnobou por mais de um ano. Nunca respondeu meu pedido pra ficar com ela, ficava me cozinhando em banho-maria e eu todo apaixonado. Depois veio esfregando o namorado na minha cara. Uma babaquice sem tamanho.
– Tá certo, com isso eu concordo. O errado foi você tentar voar no pescoço de um cara que tinha o dobro da sua altura.
– Ainda bem que você tava lá pra me ajudar.
– Ainda bem mesmo, era pra você ter levado um belo murro na cara.
– Pois é. Depois disso tudo ela ainda veio sentar do meu lado hoje, quinhentos anos depois e como se nada tivesse acontecido entre a gente.
– Isso, volta pra história da Bruna. O que ela queria com você?
– Então, é o que eu falei. Ela veio cheia de conversinha mole, deu indiretinhas sobre o passado, falou do ex e disse que tava arrependida. ARREPENDIDA! Dez anos depois e arrependida.
– Caralho, ela teve a cara de pau de falar isso com você? E aí, o que você fez?
– Me fiz de besta e aceitei as desculpas dela. Ela continuou conversando comigo e depois ainda teve a coragem de me chamar pra sair. Disse que a gente precisava colocar o assunto em dia e marcamos um barzinho essa sexta à noite.
– Como assim vocês marcaram um barzinho? Você vai dar uma segunda chance pra ela? Não resistiu ao silicone, seu safado…
– Não é isso. Nós marcamos e vou conversar com ela pra acertar o lugar. Isso só não quer dizer que eu irei. Não tô nem um pouco a fim de ser o trouxa de novo.
– Babaca…
– Eu sei, mas alguém precisa ser. Não vou dar esse gostinho de novo pra ela.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.