Era quase onze da manhã quando ele decidiu esticar as pernas e beber um pouco de café. Entre o da redação e o da padaria em frente, não teve dúvidas. Passara as três últimas horas escrevendo uma série de pequenas notas que tinham relevância próxima a zero, mas que de acordo com seu editor trariam cliques. Não aguentava mais olhar para a tela do computador. Cliques. Era só isso que tinha importância.
Desde que migrara para a parte online do jornal, a conversa era mesma. Tudo é pra ontem, é preciso gerar hype, foda-se a apuração, cadê o texto. Essa mentalidade o estava cansando. As notícias precisam ser vendáveis. Troque esse título, não está apelativo o suficiente. Transforme isso em um slideshow, vai gerar mais pageviews. Não conseguia se conformar com o que tinha virado o Jornalismo.
Só naquela manhã já havia fritado umas oito notas, todas vindas diretamente de sites gringos. Não fizera uma entrevista, não conversara com ninguém. Não tinha tempo para isso. Já não sabia mais quantos caracteres digitou, editou, corrigiu e postou nas três horas de trabalho. Só tinha certeza que eram muitos. Precisava de uma pausa.
Essas ideias gritavam enquanto ele bebia o café forte de sempre, parado na porta da padaria. Teria se perdido em meio aos devaneios e reclamações, mas um casal que estava do outro lado da rua chamou sua atenção. O rapaz, que tinha no máximo 15 anos, havia encostado no muro da redação e puxava para si uma menina alta e de cabelos cacheados. Nos olhos, o encanto que só um novo amor traz.
Quando os dois começaram a se beijar, o jornalista perdeu a noção do tempo. O casal parecia não se importar com a presença de outras pessoas na rua. Os corpos se fundiam daquela forma desajeitada que só a inexperiência de dois adolescentes proporciona. Era intenso. Apaixonante. Durante uma das pausas entre beijos, os olhos dos dois se encontraram e o garoto sorriu. Naquele ponto, tudo era perfeição na vida das três pessoas que viviam aquele momento.
Sem saber como a garota reagiu, o jornalista continuou observando a cena. Os jovens continuaram a se encarar, mas agora havia algo estranho. O semblante do menino começou a se fechar, como se estivesse preocupado com algo. Não era especialista em leitura labial, mas pode jurar que ele falou “O que foi?”. Via a garota se aproximar do ouvido do menino e sussurrar algo para ele, que imediatamente fez uma cara de espanto.
Então ela se virou, com lágrimas nos olhos. Os corpos se separaram e a menina correu, deixando o namorado sem reação. Demorou até que ele voltasse a si e fosse atrás dela. Já era tarde. Ela tinha virado a esquina e os dois sumiram da vida do jornalista. Ou melhor, os dois permaneceram como uma incógnita na mente do jornalista.
Voltou para a redação e sentou-se em frente ao computador. O email fervilhava de demandas, mas ele não parava de pensar no casal. Precisava escrever a história dos dois. Isso sim era uma urgência. A história não o deixaria trabalhar em paz se continuasse rondando sua cabeça. Foda-se que já havia escrito demais durante a manhã. Foda-se que o trabalho ia acumular. Aquela sim era uma história que merecia ser contada, diferente da nota sobre a Andresa Urach que ele fora obrigado a redigir.
Começou a pensar em como transformar a história do casal em algo interessante. Precisava saber o que tinha acontecido com os dois. Precisava construir esse final. Ou vários finais. Múltiplos finais. Narrador em terceira pessoa. Ele seria o narrador. A crônica agora surgia completa em sua cabeça. E as ideias brotavam. E as frases surgiam do nada. E ele escrevia com o tesão que não apareceu durante a manhã inteira.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.