Um grande gesto de amor. Era só isso que ela esperava receber naquela data especial. Estavam às vésperas de comemorar o terceiro aniversário de namoro e ele nunca havia feito nada grandioso. Nunca haviam se beijado de cabeça para baixo debaixo da chuva; nunca correram em slow motion para se encontrarem após uma breve separação; nunca chegou em casa e encontrou a sala coberta de flores; ele nunca roubou um trompa azul; nunca entrou em uma briga contra alguém que olhou com cobiça.
Mas, naquele dia, ela teve esperança de que tudo seria diferente. Quando ele ligou no meio da manhã dizendo que a pegaria em casa às sete, ficou cheia de expectativas. O trabalho não rendeu, os relatórios atrasaram e as folhas de papel na sua frente estavam todas cobertas por desenhos de corações. Nem ligava para isso.
“Será que ele vai me levar para aquele restaurante chique que falei?”, pensou. E começou a imaginar os pratos que pediria, o roteiro da conversa que teriam, as risadinhas que daria em direção às outras mesas para mostrar o quanto estavam se divertindo. A ideia do jantar logo foi embora e deu lugar a um passeio de barco a dois, com direito a velas, jantar romântico e a vista da cidade ao longe. E, no meio da noite, dentro da taça de champagne, já conseguia imaginar a aliança com a qual ele a pediria em casamento.
Ela teria um pequeno diamante em cima e o nome dos dois gravados na parte de dentro. Entraria deslizando em seu dedo enquanto ela derramava lágrimas de felicidade. O casamento seria realizado naquele salão de festas na zona sul e os dois sairiam de lá direto para o novo apartamento. Ele a carregaria no colo pelas escadas, parando de degrau em degrau para enchê-la de beijos apaixonados. Naquela noite fariam o melhor sexo que já fizeram na vida.
Depois passariam a viver juntos, dividindo as alegrias e tristezas, na saúde e na doença, até que a morte os separasse. Teriam dois filhos – um menino e uma menina, nessa ordem – e seriam os melhores pais do mundo. Mandariam os dois para as melhores escolas e encheriam os dois de amor, assim como era a vida que eles construíram.
Mesmo com todo esse devaneio, o tempo demorou a passar. Cumpriu as oito horas no escritório, mas teve a impressão de que foram 28. Chegou em casa correndo e se arrumou com esmero. Ajeitou o cabelo, colocou o melhor vestido, caprichou na maquiagem, se perfumou toda. Quando ele tocou a campainha, já estava pronta e ansiosa no sofá da sala.
Ele estava lindo. Com uma camisa social mais despojada, aquela calça jeans que valorizava as belas pernas, cabelo arrumado, barba por fazer. E um perfume que a deixava louca só de sentir o cheiro. Quando ele pediu para que ela colocasse uma venda para manter o segredo, a expectativa foi lá no alto.
Dirigiram por algum tempo e pararam. Ele a ajudou a descer do banco do carona, subiram alguns lances de escada e entraram em um lugar misterioso. Pediu para ela aguardar um pouco enquanto ele se preparava. Quando ele ordenou, ela tirou a venda e custou a acreditar no lugar em que estavam.
Era um quarto de motel meio sujo, no centro da cidade. Cama redonda, Kenny G. tocando em uma caixinha da JBL, taça de espumante barato ao lado da cama. E ele completamente pelado na cama. Não podia ser verdade. Deu uma olhada para um dos vários espelhos do lugar e não conseguiu esconder a cara de decepção. “Um motel vagabundo, Carlos? É nosso aniversário e você só consegue pensar em sexo?”. E antes que ele pudesse falar qualquer coisa, começou a chorar, pegou as chaves do carro dele e saiu para longe daquele lugar.
Ele ficou parado, sem reação. Quando conseguiu voltar para casa, encontrou o carro estacionado na garagem, mas não havia sinais dela. Não conseguiu falar no celular, em casa, na casa da sogra ou no trabalho. Ela desapareceu para sempre de sua vida.
Nunca teve a chance de explicar que aquilo tudo era só uma brincadeira e que a surpresa estava no prédio ao lado, em uma suíte presidencial recheada de rosas vermelhas e com um violinista contratado para tocar a música do dia em que se conheceram. Não tiveram a oportunidade de experimentar o jantar chique que ele mesmo preparou e ninguém aproveitou as bebidas importadas que providenciou para aquela noite.
O anel de noivado ele guardou, esperando encontrar uma mulher que realmente o merecesse.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.