Baseado em fatos mais ou menos reais
Paula só percebeu que a blusa branca não combinava com o sutiã preto quando estava prestes a sair de casa. Precisava mesmo era do branco de bojo que comprou há algumas semanas. Ele era perfeito. Encaixava com perfeição, deixava os peitos mais levantados e daria certo com a blusa, tinha certeza.
Correu para o quarto e revirou a gaveta de roupas íntimas, mas ele não estava lá. Olhou as outras gavetas e também não o encontrou. Procurou no meio das roupas sujas, embaixo da cama, no banheiro. Nada. Sabia que tinha deixado ele ali, em algum lugar, mas não sabia onde. Atrasada, precisou desistir da busca. Pegou o primeiro sutiã claro que encontrou e colocou. Não ficou perfeito, mas qualquer coisa era melhor que o preto.
Aquele sumiço a deixou inquieta o dia inteiro. Não era possível ter perdido o sutiã desse jeito. Quando chegou em casa, a primeira coisa que fez foi procurar. Encontrou-o atrás do travesseiro, em sua cama. Não tinha a mínima ideia de como ele havia parado lá, mas agora não fazia diferença. Guardou-o na gaveta e esqueceu-se do caso.
Uma semana depois, a cena se repetiu. Atrasada para o trabalho, queria usar o sutiã e não o encontrou. Havia sumido de novo. Intrigada, foi para o trabalho e, quando voltou, encontrou-o pendurado na maçaneta do quarto. Alguém devia estar usando escondido, não era possível. Para esclarecer o caso, convocou uma reunião com as meninas que moravam com ela.
– Alguém pegou meu sutiã sem pedir. E, pior ainda, nem teve a decência de guardar no mesmo lugar. Quero saber quem foi!
– Calma, Paulinha. Eu não peguei o seu sutiã. Meu peito é muito menor do que o seu, esqueceu? O que eu ia fazer com um sutiã que é números maior do que o que eu uso?
A Carla estava fora de suspeita. Já a Karina…
– Seu peito é do mesmo tamanho que o meu, Ká. É você que está usando meu sutiã sem pedir?
– Credo, Paulinha. Acho nojento pegar roupa íntima dos outros desse jeito. Nunca usaria um sutiã de outra pessoa sem pedir e nunca devolveria sem lavar antes.
“Essa cara não engana ninguém. Foi ela”, pensou enquanto aceitava as desculpas por pura educação. Passou a monitorar as ações da companheira de apartamento. Trancava o quarto com chave quando saía. Mantinha o sutiã sob observação constante. Mas mesmo com todas as precauções, ele sumiu novamente. Em vez de gritar e maldizer a amiga, Paula resolveu deixar um bilhete na janela, para que quando a ladra voltasse ela pudesse encontrá-lo:
“Era para meu sutiã branco de bojo estar na gaveta, pois foi lá que eu o deixei. Não é a primeira vez que ele some e quero saber quem foi a responsável. Favor se identificar e devolver ou vai haver briga nesse apartamento. Grata, Paula.”
Quando voltou para casa, o recado havia sumido. Abriu a gaveta e lá encontrou o sutiã, com um bilhete pregado: “Não precisa brigar, mas não se assuste se sumir de uma vez por todas”. Paula já saiu do quarto gritando com Karina:
– Que merda é essa?
– Que foi, Paulinha? Tá doida?
– Lê essa porra desse bilhete. Ah, nem precisa… foi você que escreveu mesmo!
– Não escrevi merda nenhuma. Para de me acusar sem provas. Eu não peguei a porra do seu sutiã – e saiu, batendo a porta atrás de si.
Paula nunca sentira tanta raiva na vida. Jogou o sutiã na gaveta e foi dormir sem nem tomar banho. Não queria sair e encarar as meninas, que a essa altura já estariam conspirando contra ela. No dia seguinte, verificou se o sutiã continuava lá, trancou o quarto e saiu sem nem falar com ninguém.
Quando chegou em casa, as meninas ainda não estavam. Foi até o quarto, destrancou a porta e encontrou a janela aberta. Correu para a gaveta onde ficava o sutiã e achou mais um bilhete: “Cansei de você e de seus peitos. Quero novas aventuras. Fui!”
Paula nunca mais o viu. Procurou em todo o apartamento, revirou as gavetas das meninas, olhou nas proximidades do prédio. Com o tempo, passou a encarar o peito de todas as mulheres, na esperança de encontrar sua peça de roupa desaparecida. O clima no apartamento ficou tão insustentável que ela precisou se mudar. Até hoje Paula não tem ideia do que aconteceu.
Já o sutiã foi visto pela última vez em um cruzeiro, rumo à Itália, nas malas de uma ricaça qualquer.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.