Fique onde está e então corra
John Boyne
Publicado em 2013
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No dia 28 de junho de 1914, o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, foi assassinado em Sarajevo. Durante o mês seguinte, os países europeus até tentaram resolver o conflito de forma amigável. Não deu certo. Exatos trinta dias depois, no dia 28 de julho de 1914, o Império Áustro-Húngaro declarou guerra contra a Sérvia e teve início a Primeira Guerra Mundial.
Em Londres, neste mesmo dia, Alfie Summerfield comemorava seu aniversário de cinco anos. A festa não estava tão animada, pois quase nenhum amigo fora até sua casa. Nem o pai de Alfie estava muito empolgado e ficou pensativo. No dia seguinte, a família inteira foi pega de surpresa quando ele aparece de farda, dizendo que se havia se alistado ao exército inglês.
É a partir desse ponto que Fique onde está e então corra, o quarto livro infantil escrito por John Boyne, começa. Depois de um salto temporal, vemos Alfie com nove anos. Os anos passaram, o pai parou de dar notícias e sua família ficou “perigosamente perto da miséria”. A mãe começou a trabalhar de 12 a 14 horas por dia como enfermeira e passou a deixar o menino sozinho a maior parte do tempo. Escondido, ele engraxava sapatos na estação King’s Cross para complementar a renda familiar. E é através de um cliente que ele descobre o que aconteceu com seu pai e corre atrás da verdade que a mãe escondia dele.
Como destaquei na crítica de O Pacifista, é raro termos livros ambientados na Primeira Guerra Mundial. Nela não há um inimigo tão claro quanto na Segunda, então as histórias não podem se basear apenas no pilar “mocinhos contra bandidos”. Nesse caso, os dramas pessoais se tornam pontos-chave. Se em O Pacifista John Boyne havia dado destaque aos soldados e em como era o dia a dia das batalhas, Fique onde está e então corra mostra com mais detalhes o lado das famílias que ficaram para trás.
É um assunto pesado, porém todo o clima é amenizado pela figura do Alfie. O narrador em terceira pessoa acompanha bem de perto o personagem, que traz uma leveza grande para a história. Não podemos esquecer que este é uma obra infanto-juvenil e que precisa ser atrativa para os jovens leitores, então o Alfie é o personagem perfeito para que isso aconteça.
Da mesma forma que os protagonistas de seus outros livros infantis (Bruno, em O menino do pijama listrado; Noah Barleywater, em Noah foge de casa; e Barnaby Brocket, em A coisa terrível que aconteceu com Barnaby Brocket), ele é um menino que se vê sozinho no mundo e possui uma visão bem infantil das coisas, às vezes até inconsequente. Porém, diferente dos outros, Alfie foi o que teve que amadurecer mais rápido, pois teve sua vida impactada diretamente pelos horrores da Primeira Guerra Mundial.
A história mais pesada fica por conta dos personagens secundários, que mostram para o garoto, aos poucos, como a Guerra influenciou cada um deles. Há um trecho, por exemplo, que o Boyne fala sobre aqueles homens que se recusaram a ir para a Guerra por causa de sua ideologia pacífica. “Não vou me alistar para matar pessoas. O que os alemães fizeram contra mim? Nada que desse para perceber”, diz o personagem. Esse é apenas um de muitos assuntos que são sérios, porém tratados com a leveza necessária, devido ao público preferencial do livro.
[SPOILER]
Além de falar das pessoas que ficaram para trás, Fique onde está e então corra também trata de um tema muito delicado, que é o dos soldados que voltaram para casa com problemas psicológicos. O pai de Alfie foi um desses. A falta de notícias é porque ele estava em um hospital psiquiátrico que não permitia a entrada de crianças. São pessoas que, por exemplo, são incapazes de ouvir barulhos de batidas sem imaginar que um tiroteio está começando. Uma situação assustadora para qualquer um.
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O meu maior elogio ao John Boyne fica pela forma como ele conduz a história. Além da leveza, não ficam pontas soltas na narrativa e nenhuma informação é irrelevante. Pequenos detalhes são apresentados e, por mais que vocês os ache insignificantes no momento, eles terão um significado gigante no final. É o caso, por exemplo, de uma frase dita por um imigrante tcheco, amigo da família de Alfie, que ganha uma dimensão inimaginável no fim. Fim, aliás, que é uma linda rima narrativa.
Enfim, já disse que sou putinha do John Boyne. O cara escreve livros magníficos que acho que deveriam ser lidos por todos, não importa a idade. Sempre é uma boa hora para uma história construída pelo Boyne.
Ligação com O Pacifista
Uma coisa bem legal de Fique onde está e então corra é a ligação direta que ele possui com O pacifista. Como disse, os dois se passam durante a Primeira Guerra, mas não é essa a ligação. O pai de Alfie faz o treinamento no mesmo campo que Tristan Sadler e William Bancroft. Além disso, nas cartas que o pai envia para a família são narrados alguns eventos-chave do outro livro, inclusive o acontecimento final dele é determinante para o destino do pai do Alfie.
Capítulos
A primeira coisa que me chamou atenção no livro foram os nomes dos capítulos. O primeiro deles, por exemplo, é “Me dê adeus com um sorriso” (“Send me away with a smile“). Achei de um lirismo tão bonito dentro da história e fui pesquisar sobre eles. Acontece que todos são nomes de músicas populares durante a Primeira Guerra Mundial, seja de cantores ou populares entre os soldados. Vale a pena passar um tempinho ouvindo todas elas.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.