Hoje de manhã, tava passando na frente do banheiro e ouvi um barulho igual ao da maquininha do Carlinhos, que corta meu cabelo. Aquele barulho irritante, sabe, que passa de um lado para o outro no nosso ouvido? Entrei sem bater na porta, pronto pra xingar e falar que o Carlinhos ia cortar o meu cabelo para sempre. Então vi que o papai tava passando a tal maquininha no peito.
Não sei se entendi direito o que ele tava fazendo porque o peito do papai é lisinho e não precisa de maquininha nenhuma. Meu cabelo precisa de maquininha porque cresce muito e não gosto quando ele chega no olho, mas o peito do papai nunca teve pelo nenhum. Quando ele vai no clube, parece aqueles nadadores profissionais, mesmo que ele nem saiba nadar direito e só fique na piscina mais rasa comigo. Devo ter ficado parado na porta do banheiro com cara de bobo porque ele percebeu que eu não tinha entendido nada e me chamou pra mostrar o que era aquilo.
Ele me mostrou que tinha cabelinhos no peito sim, mas que não gostava deles e tirava com a maquininha e depois raspava com o gilete pra ficar lisinho igual eu via todo dia. Perguntei porque a perna dele era cabeluda se ele não gostava dos pelos e ele me explicou que gostava dos pelos da perna e não tinha intenção nenhuma de tirar. Aquela resposta não fez sentido e eu até ia continuar perguntando, mas desisti, fingi que entendi e balancei a cabeça. Depois ele me mostrou como raspava os pelos com o gilete e me mandou embora porque ele tinha que tirar os pelos “de outro lugar” e não queria que eu ficasse olhando.
Não sei porque ele escondeu que ia tirar os pelos do saco porque eu sei que lá tem um monte de pelo. Quando eu era menor eu pensava que os pelinhos que ficavam no sabonete vinham da cabeça e que alguém tava usando o sabonete no lugar errado, mas agora sei de onde eles vêm. Sei disso porque este ano estou tendo aula de educação sexual, mas ainda não contei aqui em casa porque fiquei com vergonha. A professora falou tudo que meus pais não queriam me falar e agora sei exatamente como é feito um bebê, mas é muito nojento. O importante é que ela contou que daqui um tempinho vai começar a crescer um monte de pelos em mim e não vejo a hora disso acontecer.
Eu me olho no espelho na hora do banho e me imagino cheio de pelos. Não entendo porque o papai tira tudo e fica lisinho daquele jeito, parecendo comigo, que não tenho opção de deixar crescer. Quando eu tiver pelos, vou deixar todos eles crescerem. A professora disse que falta só um pouco preu começar a ter os tais “pelos pubianos”, mas que são os pelos do saco mesmo. Os outros parece que vão demorar a crescer, mas eu espero. O Nando disse que já começou a nascer os cabelos do saco dele, que daqui a pouco vai ter um monte lá em baixo e que vai ficar mostrando pra todo mundo como já é homem. Não sei se acredito, mas ninguém teve coragem de ir no banheiro com ele pra ver se é verdade.
Quando eu tiver meus pelos, vou exibir por aí também. Deixar a barba crescer até ela ficar grandona e fazer uns desenhos iguais aos que eu vi na internet outro dia. Tinha um cara que conseguia transformar a barba em um prato pro miojo e eu achei muito prático e nojento ao mesmo tempo e já quero fazer igual só pra ver como fica. Também vou ter um monte de pelos no peito e andar só sem camisa para mostrar eles pra todo mundo e não tô nem aí se ninguém gostar porque eles vão ser meus e eu vou gostar muito.
Até porque pelo é macio e quentinho e tô usando meu cachorro pra comparar porque ele é cheio de pelos, é macio e quentinho. Quando eu tiver uma namorada de verdade e tiver muitos pelos, ela vai deitar no meu peito e ficar confortável, diferente da mamãe que deita no peito do papai e quase desliza pra fora. Minha mãe falou que eu tô muito novo para começar a pensar em namorar, então não vou nem contar para ela que eu dei um beijo na Mariana e que a gente decidiu que vai namorar em segredo.
Eu nem tenho pelos ainda e a Mariana já aceitou namorar comigo, então imagina quando eu tiver muitos pelos e for quentinho e macio? A Mariana vai ser pouco para mim e decidi que não vou mais namorar ela quando eu tiver muitos pelos. Espero conseguir o telefone da Isis Valverde ou da Anitta até lá.
Comecei a vida dentro de um laboratório de química, mas não encontrei muitas palavras dentro dos béqueres e erlenmeyers. Fui para o jornalismo em busca de histórias para contar. Elas surgem a cada dia, mas ainda não são minhas. Espero que um dia sejam.